WALDICK, CAYMMI, E O MUNDO BREGA
“Quem se lembra hoje em dia de Waldick
Soriano?...”
Quem se lembra hoje em dia de Waldick
Soriano? E de Dorival Caymmi? (De Caymmi talvez um pouco mais pela morte
recente de Nana, também cantora, sua filha).
Mas, o que tiveram em comum os
dois, além do fato de serem baianos, cantores, e terem morrido quase
simultaneamente há 17 anos atrás? Afora
isso pouca coisa, além de terem vivido um ambiente musical em que sempre
foi predominante uma postura musical que se convencionou chamar de brega.
Das melodias que marcaram a minha
infância duas vim a saber, anos depois, que eram de Caymmi. A primeira, o samba
Maracangalha, ficou indelével em minha memória pelo que continha de apelo ao
misterioso, por trás de um refrão sedutor e engraçado. Ora, que lugar estranho
se escondia com o nome de Maracangalha? Uma outra canção, triste e lamentosa em
seus primeiros versos Ai que saudades eu tenho da Bahia, sucedia um Ai se eu
escutasse o que mamãe dizia, que induzia à saudade da minha mãe em qualquer
lugar onde eu estivesse, mesmo junto dela.
Waldick Soriano povoou minhas
impressões pouco depois, mas acho que seria incapaz de marcar o gosto musical
de quem quer que fosse, pela razão de que, embora do ramo, sua presença musical
pouco tinha a ver com música e já era fácil perceber isso. Waldick repetia que
não era brega e, dessa forma, surgia ainda mais brega embora ninguém soubesse
exatamente o que era isso e, até hoje ninguém saiba. Waldick era brega dos pés aos cabelos,
passando pelo nome e pelo terno preto, pelos óculos escuros e, indo mais além,
até o recôndito da alma brega que todo brasileiro tem. Daí a simpatia de todo
mundo pelo símbolo, muito mais que ao
cantor.
Waldick Soriano tinha consciência
disso, e explorou o quanto pode a encarnação de ser esse símbolo num país brega
em essência. Onde o presidente é brega, os políticos são bregas e são bregas
também os intelectuais e a sociedade. Que há de mais brega do que carros de
passeio enormes como caminhões, circulando em ruas tão estreitas? Pode haver
patriotismo mais brega que a obrigação de cantar hino nacional em jogo de
futebol? Waldick teve de lutar heroicamente contra a onda brega que o sucedeu e
que predomina até hoje, nas anódinas e repetitivas canções do jargão sertanejo.
Tanta concorrência assim fez com que rapidamente fosse esquecido como símbolo
muito mais do que como cantor.
Caymmi também, em certa medida
encarnou um símbolo – o da indolência talentosa baiana, mas não estava nem aí
para isso, talvez pela consciência que tinha do enorme talento. Quem sabe tenha
sido essa a razão porque, esgotada sua inspiração musical, não fez na velhice
como Caetano Veloso e Chico Buarque que, de forma um tanto brega, se dispuseram
a escrever livros. Composições deliciosas de sua safra como
É doce morrer no mar, Marina, O que é que a baiana tem são símbolos de
outra ordem: de como a simplicidade pode
conviver com o popular sem a necessidade de recorrer a estereótipos.
Assim como Waldick, Caymmi, como
símbolo, também foi esquecido, pois como disse Maria Celina Nasser “Um símbolo
também morre, de morte morrida quando ele perde a função como símbolo, ou de
morte matada quando alguém – pessoa, grupo, meio de comunicação, governo -
deliberadamente o mata. Suas composições musicais, contudo, permanecerão
eternas.
José Ewerton Neto é poeta, escritor, membro
da Academia Maranhense de Letras
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