Textual
CARVALHO JUNIOR CONVERSA COM
FERNANDO BRAGA SOBRE DÉO SILVA
Carvalho
Junior: Fernando, meu caro.
Satisfação imensa poder conversar contigo a respeito de Déo Silva, um
expressivo poeta brasileiro, meu conterrâneo [natural de Caxias-MA], sobre o
qual tenho me debruçado em pesquisas com o objetivo de publicar a obra reunida
dele daqui a algum tempo. Tiveste a oportunidade de conviver com Déo. Conte-nos
sobre como começou essa relação e como esta se desenrolou e se esticou ao longo
do tempo.
Saberia dizer se o nome Déo
é um apelido de infância ou foi um nome literário pensado por ele, o nosso
ilustre Raymundo Nonato da Silva? Grande parte dos Raimundos que conheço são
grandes homens. O nome parece que ajuda. Fazendo referência ao poema
multifacetado/drummondiano, ser Raymundo e ainda com “y” - no caso de Déo - me
parece uma ótima solução [risos]. Essa grafia com “y” era uma grafia da época
em que ele nasceu (final da década de 30)?
Fernando
Braga: Meu caro Carvalho Junior, de início, devo-te dizer que
o prazer é meu em te atender nessas perguntas sobre o nosso Déo Silva.
Evidentemente que me coloquei ao teu dispor para fazer um bate-bola do que sei
sobre o poeta. Creio que Déo seja um abrandamento de afeto usado em família,
porquanto todos o chamavam assim... Sobre o Raymundo com “y”, conheci um
outro, que além do “y” do Raimundo,
ainda grafava o Nonato, com dois enes. Não acredito ter sido o pai, neste caso,
de ambos, que tenham feito essas exigências ao cartório... deve ter sido o
estilo requintado de algum escrivão metido a besta... Déo não seria a solução
nessa assertiva drummoniana e muito pouco a rima...
CJ: Embora
tenha partido cedo para outra dimensão, Déo nos deixa uma obra importante. No teu artigo de agosto de 1973, Fernando, publicado
no Jornal O Estado do Maranhão, tu comentas com propriedade a obra do autor de
“Ângulo noturno” (1959) e “Equação do verbo” (1980). Que contribuição Déo deixa
com sua produção? E o que poderia justificar esse hiato entre a publicação
destes dois livros citados?
FB: A
contribuição de Déo é grande na nossa história literária, nessa nossa fase de
ouro que foi sem dúvida o grande enfoque da geração de 60. No mundo, os hippies,
os Beatles... no Brasil, os grandes festivais da TV Record de Geraldo Vandré,
Edu Lobo, Chico Buarque, Caetano, Gil, etc. todos egressos das Universidades, a
construção de Brasília, o futebol do Brasil a encantar o mundo, a era romântica
do “Fusca”, a revolução de Glauber Rocha no teatro e o aparecimento do movimento
“concretista” nas artes. Isso nos pegou em cheio, todos nós respirávamos essa
energia artística... E dessa fase, todos, no Maranhão, têm um nome garantido no
panteão. A contribuição foi grande e a revelação de valores impressionante.
Esse espaço entre uma publicação e outra, em mais de vinte anos, no caso de
Déo, em particular, atribui-se ao seu afastamento de São Luis... Ele foi
aprovado no concurso do Banco do Brasil e foi lotado na cidade de Tefé, no
Amazonas. Aqui faço um parêntese para dizer que de Tefé, o poeta trouxe algumas
receitas feitas pelo médico Ernesto Guevara de La Serna, o “Che” revolucionário,
quando andava pela Amazônia peruana e boliviana... Ele pegou ou comprou de
alguém como documento histórico... Bem, voltando o fio à meada, nós tínhamos
uma cobertura editorial fantástica através do Departamento Cultural do Estado,
dirigido, à época, por Domingos Vieira Filho. Certa vez, acompanhei o escritor
Erasmo Dias [uma espécie de orientador nosso] que já levava Déo Silva, a
Palácio, ao gabinete do Sarney quando este era governador, para que ele, Sarney,
determinasse a impressão de “Escada de Betel”, autorização que se deu de
pronto. Logo depois, como disse, Déo era aprovado no Banco e ausentava-se de
São Luís. Agora pergunto, e esse livro? Ele mudou o título? O que houve?
Concluo: hoje, “lá da China” eu mando os originais pelo e-mail para ti em
Caxias e o livro sai dentro de uma semana... Naquele tempo nem “DDD” existia,
era tudo na “carta” a comunicação era à moda antiga... Tudo isso dificultava.
CJ: O nosso grande e querido Salgado Maranhão me comentou
há algum tempo que Déo apresenta uma linguagem incomum e muito bem trabalhada. Analisando
a obra de Déo, percebemos o grau de exigência dele com a palavra e como estava
antenado com a produção mundial. Que autores Déo admirava ou lia com mais frequência?
FB: Reputo
Déo Silva um purista da língua. Realmente, o Salgado Maranhão disse bem. Déo
trabalhava muito bem a palavra e nisso o fazia com arte. Ele tinha um filólogo
à tira colo, nada mais, nada menos do que Amaral Raposo, que o tinha como
filho. Foi Amaral que o preparou para o concurso do Banco do Brasil, e
costumavam passar muito tempo juntos nesses exercícios de gramática e
linguística. Quanto à leitura nos era recomendado a ler tudo que nos caísse às
mãos, até propaganda de “capivarol”. Não se lia nada direcionado... Mas lemos
muito! Digo nós, porque Erasmo, aqui já referido, sempre me orientou nesse
sentido. Os nossos mestres eram da geração de 30 e não como pode parecer os da
geração de 45. Eu sou da geração de 60, já Déo, Nauro e Carlos Cunha [todos
nascidos nos anos 30], são catalogados mais para 45 do que para 60. São
intermediários entre uma e outra... Mas tanto essa geração intermediária como a
de 60 tinham um apego especial com a geração de 30 não com a de 45, como seria natural, por ser
a mais próxima.
CJ: Milson
Coutinho no livro “Caxienses Ilustres” fala sobre Déo como figura obrigatória
do nosso panteão e da facilidade que o poeta tinha para fazer amizades. Você
foi um dos importantes amigos de Déo. Com quem mais do meio literário Déo se
relacionou de forma fraterna, participando de algum tipo de movimento ou
atuação na cena literária?
FB: Déo
era uma figura encantadora. Inteligente, comunicativo e brincalhão. Circunstâncias
para se fazerem amigos sempre... Se relacionou com todos de seu tempo. Era por
todos queridíssimo.
CJ: Comente
sobre a peregrinação de Déo dada a sua vida de funcionário de banco. Além do
Maranhão, estado natal do nosso poeta, por quais estados brasileiros ele deixou
a sua marca biográfica ou literária?
FB –
Meu querido Carvalho Junior, não conheço o “périplo” [nome escroto] traçado por
Déo na sua carreira bancária. Sei apenas que “jornal” para o escritor é como
cachaça para o biriteiro”. Tendo um no lugar, o escritor está lá... e Déo tinha
uma paixão por Jornal. Acredito que em toda cidade que serviu, se tinha um
jornal, ele deixou lá uma produção e, consequentemente, seu nome. Ele tinha uma
voz muito bonita, e certa vez, na Rádio Ribamar [já extinta], ele me disse que
o “negócio” dele não era rádio, mas jornal...
CJ: Já
encontrei publicações de Déo em suplementos literários da capital São Luís e
texto inédito em jornal do estado do Amazonas. Tenho contado com várias
contribuições nesse início de pesquisa. Aproveito para agradecer a você,
Fernando Braga, aos amigos Natinho Costa Fênix, Francisca Girlene, Ezíquio
Barros Neto, Inês Maciel, Heloísa Sousa, Edmilson Sanches, Carlos Jorge, os
irmãos Wybson e Naldson Carvalho e outros colaboradores que por um lapso de
memória não consigo citar neste exato momento de nossa conversa. Déo era ligado
ao rádio e ao esporte conforme identificamos nas referências até então
encontradas. Saberia dizer se Déo tinha preferência por algum clube de futebol
brasileiro ou do mundo?
FB: Meu
querido Carvalho Junior, “agora me apertaste sem me abraçar”... Não me lembro
de maneira alguma ter conversado futebol com Déo... Eu como sou luso-brasileiro
sempre sofri com o Vasco da Gama.
CJ: O
poeta Wybson Carvalho sempre se emociona ao falar de Déo e cita um poema não
transcrito em livro, apenas oralizado, “Noite ludovicense”. É um texto que foge
um tanto ao exigentismo verbal de Déo mas que revela uma grande sacada. Segue o
texto tal como Wybson cita nas rodas de poesia: “São Luís, um beco escuro, um
ladrão e eu:/ — Mãos ao alto... a bolsa ou a vida!/ — Consulte-as, ambas estão
vazias.”. Fique à vontade para comentar
o texto ou citar algum texto de Déo de sua predileção, uma espécie de “poema de
cabeceira”.
FB: Fico
a dever-te essa! Tem uma imagem poética muito bonita, creio que dele, se
puderes, confirma para mim: “Quem vê a face de Teresa, não morre nunca!”.
CJ: A
minha gratidão e a minha estima por todas as contribuições e por este início de
conversa que ainda terá muitos e novos desdobramentos. Sigamos dialogando. A
obra de Déo é valiosa e merece ser conhecida pelo mundo. Maranhão de abraços,
Fernando. Até uma próxima.
FB: Até,
mano velho! Eu te agradeço a dupla alegria: poder te atender nesta pouca
contribuição, e falar de Déo Silva ou o “mundiquinho de seu Jefferson” como o
sacaneava Erasmo Dias. Trago Déo no coração. Tenho muita saudade dele. Até a
próxima!
Carvalho
Junior escreve às sextas-feiras para o Textual.
Gostei de ler esse “papo” entre Fernando Braga e Carvalho Júnior. Dois expertises das letras a falar sobre o talentoso Déo Silva.
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