Conversas vadias
LEMBRANÇAS DE ROGACIANO LEITE,
OU APONTAMENTOS PARA O SEU CENTENÁRIO *
“Roga
– ciano poetas e violeiros por este filho de São José do Egito!”
Rogaciano
Leite se foi, assim, de repente, do nosso convívio, das nossas ruas, de nós, alegre
de andanças e feliz por tantos invernos que já lhes prateavam os cabelos, como
a canção “Cabelos cor de prata”, que escreveu para Silvio Caldas, o “Caboclinho
Brasileiro” interpretar em serenatas; para Nelson Gonçalves cantá-la em noites
boêmias e para Francisco Petrônio animar o seu ‘Baile da saudade”.
Rogaciano
jornalista, violeiro e poeta, foi também capitão do mato, nascido em 1º de
julho de 1920, em Sítio Novo, na cidade de São José do Egito, região do Pajeú,
em Pernambuco e falecido em 7 de outubro
de 1969, quando seu coração achou de parar, na cidade do Rio de Janeiro, quando
de uma freada brusca no miocárdio. O corpo do poeta foi trasladado para
Fortaleza, onde está sepultado no cemitério São João Batista.
Foi
desde muito cedo impulsionado às artes pelo seu espírito irrequieto, até chegar
ao mundo encantado dos repentistas, começando a desbravar as caatingas do
Nordeste em recitais de improviso, tanto sozinho como em companhia de outros
artistas de circos de mambembe.
Tudo
começou na mística terra de Iracema, a qual teve a missão de bem- -querença na
vida sentimental e artística do poeta, o ‘Olimpo de cantadores e violeiros’,
aonde Rogaciano conheceu e se tornou amigo do famoso cego Aderaldo, e juntos
começaram a esbanjar talentos e a consumir boas aguardentes, por fazendas e
lugarejos. As décadas de 50 a 60 foram o auge desses encantados exercícios, e
depois, com mais Domingos Fonseca, repentista do Piauí, começaram a excursionar
pelo sul do país, lotando e fazendo vibrar as maiores casas de espetáculos da
região. Com a morte do cego Aderaldo, [Crato CE – 24 de junho, 1878 – Fortaleza
CE – 30 de junho de 1967], Rogaciano foi seu defensor, através da imprensa, do muito
que lhe era devido por direito, conseguiu que o parceiro saísse das sombras do
esquecimento e tivesse, pelo menos postumamente, um lugarzinho ao Sol.
Em
1949, o poeta resolveu licenciar-se em Letras Clássicas pela Faculdade Católica
do Ceará, onde prestou sua prova de Latim, ao vestibular, respondendo em versos alexandrinos todos os
quesitos, evocando os poetas Ovídio e Cícero, sendo integrante da primeira
turma de bacharéis ali formados, casando-se com Maria José Cavalcanti Ramos, que
conheceu ainda no Liceu de Fortaleza e que depois, em 1951, também se formou em
Filosofia; o casal teve seis filhos, dentre eles a minha amiga Helena Roraima
Iracema Leite, Engenheira Civil e Doutora em Economia Política e Social pela
Universidade Complutense de Madri, que
me foi apresentada pelo Jornalista e escritor Edmilson Sanches, confrade do
Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão – IHGM.
Rogaciano
Leite deixou grande bagagem literária, esparsa em jornais e revistas, de onde
se pinça, dentre elas, o livro “Carne e
Alma”, a enfeixar o antológico poema “Eulália”, prefaciado pelo não menos
famoso folclorista brasileiro, potiguar de nascimento, Luís da Câmara Cascudo;
e mais, “Acorda Castro Alves; “Dois de
dezembro”; “Quando eles se encontraram novamente”; “Cantador Antônio Marinho”;
“Poemas escolhidos”; “Os trabalhadores”. [Este poema não foi gravado em
obelisco na Praça Vermelha, em Moscou, como inadvertidamente registra a ‘Wikipédia’,
no Google, o que me fez registar em minhas ‘Conversas Vadias’ gravada para o
Yutube nesta data, em comemoração ao Centenário do poeta. A verdade é que
Rogaciano Leite, em sua viagem à Europa, nunca esteve em Moscou. Fica aqui,
portanto, a devida ressalva a este erro de informação]. Selecionou 100 poemas
de amor para juntar em seu “Livro de
Ouro”. Coordenou e deixou no tempo “Patriarca
dos Cantadores do Nordeste”, uma homenagem ao seu amigo e querido mestre
Cego Aderaldo.
Como
“poesia não dá camisa a ninguém”, como sabiamente dizia, alçou voo pra o
jornalismo, militando em vários jornais, entre eles, O Povo e a Gazeta de
Notícias, ambos de Fortaleza; e nos Diários
Associados de São Paulo. Quando o conheci ele estava alugando sua
inteligência para a ‘Última Hora’ de São Paulo.
Conquistou
dois Prêmios ‘Esso de Jornalismo’, na área reportagem, com os trabalhos “Na fronteira do fim do mundo”, sobre a
Amazônia, dissertando sobre este outro Brasil, cheio de mistérios e coisas a
descobrir; e “O mundo amargo do açúcar”,
referente aos trabalhadores dos engenhos de Pernambuco, tendo como objeto o
tratamento desumano e o regime de escravidão a que são submetidos os nossos
cortadores de cana quando trocam, pela lei da sobrevivência, o suor pelo
trabalho, sangue vivo já cantado em versos e em prosas pelos seus também
brilhantes conterrâneos João Cabral de Melo Neto e Gilberto Freyre.
Assim
foi Rogacinao, grande poeta, grande jornalista, grande boêmio e, sobretudo,
grande amigo.
É
para ele, neste pouco de crônica que rendo minhas homenagens e deixo o meu
grito de saudade, relembrando que a última vez que estivemos juntos, também na
companhia do meu querido pai, foi no “Bar e Restaurante Aliança”, em São Luis, de
propriedade do sempiterno português Antônio Tavares, esquina das tradicionais
Ruas de Nazaré e Odylo, com Palma, defronte da eterna pracinha Benedito Leite, em
São Luís, em fins de 1968, onde bebíamos no meio da noite, entre poesias e
outros “causos”, doses do famoso ‘rabo-de-galo’, aguardente queimada com
vermute.
Com
estes meus versos, cravados em ‘Planaltitude’, Brasília, 1978, mando daqui,
desde dedo de prosa, não só meu alô de saudade ao poeta Rogaciano Leite, mas
também algumas notas para o seu Centenário:
“Roga
na prece versos e roga-ciano /pelo poeta violeiro que se fez de azul/ para
esconder-se nalguma estrela chamada Rogaciano, / que de tanto roga [r]-ciano
para a lua, acabou prateado, virando quarto minguante...”
Quarenta
e nove anos de vida foram poucos para o muito de sua história!
_________________________
*Fernando Braga, Artigo in Jornal ‘O Imparcial’, São Luís, 17.10.69; In ‘Conversas Vadias’, antologia de textos do autor.
Fernando, tuas “Conversas Vadias” são tão perfeitas, distintas, esmeradas e de qualidade tão excepcional que deixam encantada.
ResponderExcluir