Conversas vadias
LEMBRANÇAS
POÉTICAS DE UM CAÇADOR DE SONHOS *
Samuel
de Sá Barreto, Pedreiras, Maranhão, 8 de outubro de 1968 – Pedreiras, MA, 13 de
julho de 2020.
Na
manhã de 24 de agosto de 1951, o jornal ‘O Combate’, de São Luís, dirigido por Nascimento
Moraes e secretariado por Erasmo Dias, estampava em manchete: “Morreu o poeta
Corrêa de Araújo, o último guriatã de Atenas!”
Graças
a Deus não seria o último, porque só em Pedreiras, onde nasceu Corrêa de Araújo,
que mais tarde viria a ser ‘O Príncipe dos Poetas Maranhenses’, nessa época atravessavam
a primeira infância João do Vale, Kleber Lago, Anely Guimarães Kalil, Raimundo
Fontenele e Nagib Jorge Neto, como também, por lá já viviam, encantados pela
magia da ‘Princesa do Mearim, os poetas José Chagas, chegado de Piancó na
Paraíba, e Manuel Lopes, vindo de Dom Pedro.
I
- Quis a destinação de Deus, que uma década e meia depois do falecimento do
autor de ‘Harpa de fogo’, em Pedreiras, nascesse o poeta Samuel Barreto, que
agora nos honra escrever estas breves linhas sobre seus ‘Versos Cinzentos’,
livro em que imprime o colorido de um azul de primavera, apesar de o cinza, ou
‘gris poético’ nele evocado, sob o olhar da poetisa e escritora Ana Néres
Pessoa Lima Goes, no prefácio do livro, serem “ verídicos, brancos, rimados, em
suma: Cinzentos versos. Cinzentos! Porque das cinzas é o mais belo e lúdico
renascimento, como nos encena a Fênix! Cinzentos para poderem renascer à luz de
cada olhar lançado sobre eles, de cada compreensão leitora, dos desejos dos
quais cada alma necessita.”
Na
contracapa do livro, Samuel Barreto evoca sua ‘Primeira canção de saudade’ [in
Cadernos de Passagem, EDUFMA,2013]. Deixamo-lo contar ou cantar: “Fui refazendo
alguns passos da minha distante infância e senti minhas pequenas mãos roçarem
em uma espinhenta e carinhosa barba ainda por fazer, enquanto minha Mãe
preparava o café para todos, e não éramos poucos, além da gente, a casa sempre
abrigava mais, e é assim a vida inteira... Tive a sensação de ouvir aquela
melodiosa voz cantando uma das muitas canções que ele sempre entoava,
mostrando-nos um caminho para o bom gosto genuinamente brasileiro. Voltei para
o espelho que continuava ali como se me esperasse, e entre lágrimas vi o rosto
de meu Pai refletido no meu.”
Abro
aleatoriamente os originais e deparo com Zeus ou Baco, o mesmo deus do vinho que reina no Olimpo; o
primeiro romano e o outro grego; o certo que o poeta lhe faz esta homenagem em ‘Benditos
olhos’: “Benditos os olhos de Zeus / que no Olimpo tem nome, / rezando pelos
ateus / nessas vielas da fome.” [...] “Nessas
vielas da fome / já ouço o nome de Deus, / alguém gritou seu nome, / querendo
pão para os seus.” [...] “Um pão de pouca migalha /que pela boca se some / a
dor no peito se espalha / daquele que nunca come.” Para finalizar: “A morte que
nunca falha / pelo vazio um pronome /a dor do fogo de palha/ Com a crua cara da
fome.”
Pouco
adiante, Samuel Barreto maneja a forma fixa com maestria, e a sentimentalizar
as quatorze linhas clássicas entrecruzadas, ele nos revela nesta ‘Colheita’ a pujança do soneto: “Todo silêncio está exposto na palavra/ cala
o mundo, se contemplo o horizonte, / rabisco frases na colheita dessa lavra,/ mato
a sede, sem beber água da fonte. / Calo meu calo com a força dessa pena / danço
o baile quando vem o anoitecer, / minguada hora, é a dor que me condena, /
espero um tempo; é um novo fenecer! / Nada importa esse fogo sem caminho/ vivo
o jogo, equilibro o som do pinho / na calmaria grito a minha explosão. / Eu sou
gota na grandeza do teu mar /Desenho a vida aveludo um navegar/ amo sozinho sem
saber se é em vão.”
Adiante,
em ‘Telhados’, ao invés de goteiras ou limos, encontro estas belas imagens, enquanto
um gato se alonga: “Gosto das horas / mortas do silêncio da noite, / parece que
o vento conversa pelas ruas.../ Ao longe, ouço um choro de criança, / e um
vigia cochila ao som do seu rádio de pilha. / E os gatos silenciam nos
telhados...” E Samuel Barreto arremata: “Não olhei para lua, sinto só a poesia
do seu brilho, / nunca quis ser o Sol, prefiro as cinzas da solidão, / carrego
comigo a estranha sensação das palavras/que nunca se cansam de bailar dentro de
mim/ quisera saber o canto de amor dos telhados!”
Samuel
Barreto, apesar de jovem, é um poeta maduro, inteiro, que extrai de sua fina
sensibilidade a essência imagística e a coloca nas palavras, manuseando-as em
galopes bem aprumados. Sintamo-lo nesta ‘A voz do silêncio’: “O silêncio que se
deita nas paragens do proibido /parece delatar minha vontade de ficar mudo./ Não
engano as minhas sinceras volúpias, apenas tento / contê-las para não ter que
afastar de mim o que quero / e que nem mesmo sabe dos meus profundos desejos./
(coisas de um poeta que sonha com a musa de versos).
Calíope
e Euterpe, deusas da poesia e da eloquência, acalantam-no por derradeiro, e o
poeta lhes pede o sonho: “Às vezes uma frase dita antes do tempo, pode soar
igual/ a uma simples conquista desses vulneráveis caçadores, /só que lhe
garanto que em mim não habita tal sentimento,/ conheço as tangentes do meu
universo de emoções”./ E posso afirmar que tudo agora é novo, embora no infindo
Silêncio da palavra que teima em emudecer.”
***
II
- Deixemos um pouco a poesia e o poeta Samuel Barreto, que todos nós conhecemos,
e passemos para o homem Samuel de Sá Barreto, esse filho ilustre de Pedreiras,
nascido na outra margem do Mearim, hoje Trizidela do Vale, em 8 de outubro de
1968, filho de João de Sá Barreto e de Ceci Ana de Jesus, que estudou no
Colégio Santo Antônio de Pádua e que se graduou em Licenciatura Plena em
Letras, pela Faculdade de Educação São Francisco – Faesf e pós-graduado em
Letras pela Faculdade Latino Americana de Educação – Flated, e que cursou
História na Uema [Programa Darcy Ribeiro] e que era professor universitário.
Samuel,
esse nosso profeta da poesia e da generosidade, foi envolvido desde cedo em
atividades culturais relacionadas à literatura e à arte, produzindo um
considerável trabalho em prosa e verso, onde também se incluem letras para
músicas, recebendo diversos prêmios em festivais e outros eventos. Sua estreia
foi em 1997, com o livro ‘SOS Libertação’.
Em
Pedreiras, venceu a XXI Poemara – Festival Maranhense de Poesia, com o poema
‘Águas Barrentas’; em 2007 venceu o Plano editorial Gonçalves Dias, categoria
Crônicas, da Secretaria de Cultura do Estado do Maranhão, com o livro ‘A Rua da
Golada e Sua Identidade’, em 2009.
Participou
de todas as Antologias e Coletâneas Poéticas de Pedreiras, além de publicar em
jornais e revistas; publicou pela Laborarte de 2007 a 2011, ‘O Testamento de
Judas’, em parceria com Nelson Brito, Zeca Tocantins, Imira Brito e Edvaldo
Santos. Teve publicado cinco poemas na Antologia ‘Mil Poemas para Gonçalves
Dias’, lançada em São Luis, pelo IHGM.
Em
Pedreiras, lançou o 1º Cordel Beneficente da Região, com o poema ‘A Peleja de
Luis Bico de Agulha com o Guaxinin Cagão, de parceria com Edvaldo Santos.
Publicou
em 2013, o livro de poesias ‘Caderno de Passagem’, pela Edufma, e em 2014 venceu
o Edital II de literatura da Fundação Amparo à Pesquisa – FAPEMA, com estes
‘Versos Cinzentos’.
O
poeta, cronista, compositor e produtor musical Samuel Barreto foi integrante do
Projeto cultural ‘Da Golada Pro Brasil’; membro fundador da APOESP – Associação
dos Escritores e Poetas de Pedreiras; membro fundador da APL – Academia
Pedreirense de Letras, onde ocupou a Cadeira nº 8, patroneada por Corrêa de
Araújo. Figura entre os pedreirenses condecorados com a Comenda Corrêa de
Araújo – honraria que é concedida pela Câmara Municipal de Pedreiras àqueles
que tenham, relevantes serviços à educação e à cultura do município.
***
E
Samuel Barreto, falecido em 13 de julho de 2020, em sua cidade natal, não sei
se premunindo sua passagem meteórica entre nós, deixou em ‘Versos Cinzentos’
este canto ‘Até breve’, como se despedindo: “Despedida deixa-me um vazio sem fim,
/ no duelo das palavras, cala-se de seca a língua, / o brilho da Lua parece
sangrar de solidão.../Junto as cinzas da saudade e choro imensamente, tudo
ficou turvo nas últimas linhas escritas.” [...] “Estou indo por aí e não vou
pensar na volta, / pois volta e meia sinto-me partido ao meio, / prefiro
imaginar a felicidade por onde passo, / apresso o passo indo cada vez mais longe,
/ para quem sabe, não sonhar com o regresso...”
E
nós todos respondemos-lhe acenando os lenços: Adeus Poeta!
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*Fernando Braga in Apontamentos para o livro ‘Versos cinzentos’ do escritor e poeta Samuel Barreto, 2015, com modificações naturais, em virtude do falecimento do poeta; Originais in ‘Conversas Vadias’ ´toda prosa], antologia de textos do autor.
Mais um brilhante texto do poeta Fernando Braga acerca da produção artística e cultural do poeta Samuel Barreto, por ocasião de seu falecimento, dia 13 último.
ResponderExcluirAgradeço ao Fernando a referência só meu nome, fixando-me pedreirense, coisa da qual até eu esqueço com essa vida cigana que levo.
Samuel Barreto, fique em paz, meu irmão. E ao Fernando o meu reconhecimento em nome do escritores maranhenses pelo seu amor e trabalho pela literatura do nosso Estado.
Devia estar na AML há tempos, mas agora vai!
Barreto, dá um empurrãozinho aí de cima!...
* ao meu nome
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