Textual
Hoje, como em muitos dias de minha vida, às vezes, acordo com a lembrança de Rosemary Rêgo na cabeça. Então, resolvi replicar um texto que escrevi sobre ela e sua curta trajetória literária. Este escrevi em 2006, quando fazia parte da equipe de escritores do Suplemento Literário “Guesa Errante”, encartado no Jornal Pequeno, sob a coordenação editorial de Alberico Carneiro e Josilda Bogéa (já falecida, em 2010). Essa resenha é sobre o livro O Ergástulo Gozo da Palavra, livro de estreia da poeta Rosemary Rêgo (falecida em 23 de agosto de 2017). Lembro que marcamos a pauta com quase um mês de antecedência, e nos encontramos em uma tarde ensolarada de outubro em um hotel à beira-mar, na praia da Ponta da Areia. Rosemary Rêgo possui uma importante colaboração à literatura, sendo uma amiga de anos que andou comigo e com grandes nomes da literatura. O texto teve algumas inserções pontuais, mas nada que tire o tom personalíssimo do original. Boa leitura!
A existencial eternidade de uma poeta no coração do Diamante
O
tempo constrói seus barulhos na porta dos estádios de futebol, no ir e vir
maravilhoso das marés, nos degraus que delimitam as portas do paraíso e do
purgatório, nas sinfonias de Gustav Mahler. O tempo está escondido por detrás
dos ombros e do quase sorriso da Monalisa, no distinto olhar que te apraz agora
nesse texto, ele é o que resta para um depois entre nossos sentidos.
Filosofismos, pautas, teses, a eternidade e o tempo – os reflexos de Narciso da
alma humana.
O inquieto tempo de Rosemary Rêgo, essa
poeta maranhense, moradora do Bairro do Diamante, que faz parte da geração 90
da poesia maranhense, que desde cedo já escrevia peças de teatro, mas foi com a
poesia que, no início dos anos noventa, colocou todo seu talento
Lendo
a poesia de “O Ergástulo Gozo da Palavra”, livro de estréia de
Rosemary Rêgo, podemos constatar que o tempo e a eternidade permeiam grande
parte desta obra. A própria poeta nos dá o gancho destes fatos quando diz, em
seu poema Espera:
A
sala em penumbra não cabe dentro da alma
o
papel exposto sob a pequena mesa de cedro
espera
o poema que não deseja sair precocemente.
A
máquina absorta no canto do quarto há muito
não
abre os dentes há tempo a poesia não chega.
A
máquina no canto do quarto é tácita,
é
como se estivesse velando um cadáver de noventa anos.
Rosemary absorve grande parte da
atmosfera filosófica de Heidegger, desdobrando em seus poemas seus três
estágios existenciais – a Afetividade ( o passado é tratado pela
poeta como valores e afetam seus sentimentos que compartilha), a Fala
( a poeta traduz, o presente, como fenômenos, utilizando a linguagem em suas
atribuições e significados), o Entendimento ( nesse estágio, o
futuro, a poeta traduz a morte como um sentimento não terminado, um porvir –
sua eternidade ). O poema abaixo revela tais fatos heideggerianos:
Abril
Ontem
flores germinavam sobre mim
o
onírico prazer de esculpir a vida me transformou
no
fruto do carbono.
O
duro ofício de lapidar o pão carrega nas pálpebras
o
abominável cansaço da alma.
Amanhã
que seja cedo ou tarde sorrisos repousarão
sobre
meu cadáver.
A eternidade da
poeta é existencial. Uma sombra dos eventos que podem se repetir. Bálsamo.
Viagens em insondáveis murmúrios do ser já cansado de não chegar à verdade das
coisas. É pausa. Retorno
Observamos,
Ouvi
baladas
Dentro da noite veloz
Estrela
da vida inteira.
A
poesia
é canto geral
Masmorra
didática
Na
her
me
ti
ci
da
de
da vida.
Anjos
malditos
Beijam as flores do mal
O
ócio desperta
os canhões
do silêncio!
A poeta também participou de vários grupos
literários importantes, entre eles o Grupo
Curare ( grupo de poetas que em meados da década de 90 se reunia para
discutir e promover a Literatura Brasileira
A Poiesis nasceu, na verdade, do Projeto Em Companhia da Poesia, que
entre 2005 e 2006 reuniu diversos jovens poetas – entre eles Antonio Aílton,
Bioque Mesito, Geane Fiddan, Rosemary Rêgo, César Borralho, Hagamenon de Jesus,
Couto Corrêa Filho e Paulo Melo Souza – com músicos instrumentais, tais como a
pianista Ana Neusa, o percussionista Madson, o violonista Daniel Bertholdo e o
gaitista Danyllo Araújo, promovendo recitais com uma proposta diferenciada, no Auditório
da Escola de Música e no Teatro João do Vale. Os recitais são executados pelos
próprios poetas, unindo música erudita com poesia, tentando primar sobretudo
pela qualidade e pelo refinamento dos trabalhos a serem apresentados ao grande
público. A partir de agora, que o primeiro passo já foi dado, e a entidade já
foi registrada de fato e de direito, vai-se partir para o segundo passo, que é
a promoção de um evento em que, depois de se ter convidado vários poetas,
escritores, intelectuais e fomentadores literários, possa-se apresentar e abrir
as portas da entidade para todos os que desejarem dela participar – desde que,
evidentemente, estejam envolvidos com o engajamento literário e aceitem sua
proposta estatutária, salienta, novamente, a poeta.
Outro aspecto notório, na poesia de Rosemary Rêgo,
é a presença da metalinguagem. Para a poeta a metalinguagem é importante quando
o poeta está iniciando na vida das letras, porém com o tempo o olhar deve ser
mais crítico e a poesia deve ter como produto um mix de coisas (imagens,
crítica social, artes visuais, filosofia e etc). A metalinguagem de Rosemary é
bem feita, não chega a ser apenas a palavra pela palavra, ela é mais que isso,
é uma observação bem feita do lirismo poético. O poema, abaixo, reflete muito
bem esta característica peculiar da autora:
Poema
A
voz do poema
o grito do poema
a mão do poema
o sangue do poema
o poema co-existe
nos beirais
nas calçadas
na plangente
melodia dos sapos
em noites de inverno
entre os ratos que percorrem
a praça
à meia-noite
em cada
esgoto
nasce
uma rosa
o poema!
o poema e a sua palidez
o poema e a sua simetria
o poema
atrás do poema
nasce
uma flor!
A poesia de Rosemary Rêgo é autêntica, bela e de
metaforização bem trabalhada. O minimalismo aporta em seus poemas. Em seus
textos encontramos também aspectos sociais, pois o artista não pode fugir de
suas atribuições políticas. Pelo nosso Estado muitos poetas fogem desse compromisso
e acham que escrever seus poemas já é tudo. Um poeta tem que fazer parte e denunciar
as mazelas por que passam nossa cena pública, senão estará se alienando.
Rosemary Rêgo, graças a Deus, é uma referência e luta pela liberdade de
expressão da nossa gente.
Bioque Mesito escreve às sextas-feiras para o Textual.
Muito bom sentir que Rosemary ainda vive. Uma das vozes essenciais da poesia contemporânea maranhense. Deixou-nos cedo em corpo, mas houve tempo de nos presentear com uma obra que contém emoção, aliada a um trabalho estético especial. Viva sua poesia!
ResponderExcluirAplausos à volta do cidadão e do poeta Bioque Mesito, em grande estilo, porque trazendo à cena uma das vozes literárias mais expressivas entre as dos poetas que falam e se significam Língua Portuguesa.
ResponderExcluirParabéns pelo belo estudo biográfico e crítico sobre a obra de uma poeta que, pela qualidade de sua mimesis, analogia e simulacro, precisa ser revisitada e decifrada em seus enigmas e hermetismo, a alma do que, em arte, saindo do sentido comum, transborda e extrapola do convencional para o excepcional ou extraordinário.
Parabéns, cidadão e poeta Bioque Mesito, por existirem com teu verbo feito carne e plasma, entre nós, para honra e glória da poesia.
O texto acima é da autoria de Alberico Carneiro 🖕🖕🖕
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