Textual
NOTAS
SOBRE O TERNO
[A
poesia de Daniel Blume no livro Resposta
ao Terno]
Resposta
ao Terno (Belas Artes, 2018)
talvez seja, até agora, o livro mais ousado do poeta Daniel Blume. Seus livros
anteriores, Inicial e Penal, não respondem a igual volume
de referências, a explícitos campos da realidade que determinam a própria
estrutura do livro (resposta ao tempo, resposta à cultura, resposta à história,
reposta à política, resposta ao amor, resposta à poesia), e, de forma geral,
expressam-se em uma forma mais epigramática, do poema-síntese, agudo e
reflexivo. Em Resposta ao Terno, a despeito da forma concisa, incisiva, com a
qual Daniel Blume apresenta sua poética, os poemas se distendem um pouco mais e
desdobram em menor tensão o seu fenômeno – intensificando, por outro lado, uma
ternura sobre a vida.
Antes
de ler o livro, a primeira expectativa que me ocorreu foi a de que se trataria
de uma "resposta", uma contraposição poética à semântica que o terno,
o “fato” – o vestir formal, burocrático e não raro legalista, impositivo –
representa. Quanto mais que se trata do livro de um poeta que vem,
profissionalmente, de altos cargos do mundo jurídico. Isto se tornaria o quase
óbvio.
Sendo
a poesia uma condensação, potenciação e provocação de sentidos, dentro de um
pacto com a palavra, a leitura e o título do livro não descartam aquela
possibilidade suspeitada, por via de um discurso poético no qual a dureza e o
formalismo do terno dão lugar às vivências, aos lugares e temporalidades
pessoais, ao investimento existencial, aos acontecimentos e às coisas mínimas,
mundanais, à efetividade e à memória, que de fato esboroam a imagem engomada.
No entanto, o poeta aprofunda mais a questão no sentido de expandir o campo
sensível da ternura, por meio da voz afetiva que, na verdade, não apenas sugere
respostas, mas também interroga o mundo, em suas múltiplas dimensões.
Assim, é verdade que busca propor
uma resposta sobretudo ao mundo rígido e essencializante por meio da
sensibilidade mundanal, da simplicidade, por vezes anódina, e do viver diário,
da experiência, das afetividades humanas, das expectativas e desejos que se
tornam poesia, como em Pará:
Sei não mais
estarmos
na via
Condotti,
mas, se para
Rubem Alves,
“ler é fazer
amor com as palavras”,
preciso reler-te
na Rua Pará.
Ou
na colheita como resposta ao tempo, por via da perspectiva/expectativa gerada e
que gera (Perplexo):
Tempo de
colheita
gera
perspectiva,
não
perplexidade.
Por outro lado, lança suas perguntas
ao mundo sistemático, conforme este seja dado, estruturado ou construído em
segmentos e interesses, enquadramentos. O primeiro poema, por exemplo (A Procura), torna-se ainda mais
significativo porque coloca suas bases em perguntas, e não em respostas ao
tempo: "Por onde anda?... Não vejo... Sumiram... Busco... Não
encontro...". E em outros poemas, temos ora a intuição, ora a revelação de
que a resposta encaminha-se para o provisório, não para o totalitário, como no
próprio Perplexo, em que a perspectiva
relativiza o paiol da satisfação. As respostas não podem, desse modo, ser
retilíneas, calculadas, prontas, unívocas. É o que nos sugere,
despretensiosamente, o poema Plural:
Nem
cartesiano
nem
geométrico,
seu amor é
curvilíneo obtuso
ou mesmo amorfo.
Com paradigma
próprio,
dista do
ortodoxo,
seu amor é
plural.
O salto maior do livro talvez seja
essa sombra do Tempo íntimo, experiencial, que assombra o estagnado e o
estabelecido, que dissolve, embolora ou escarifica tanto as perguntas quanto as
respostas. Um tempo que ora é calendário, ora é obrigação histórica do
existente, ora é rotina comezinha no dia a dia do homem – mas subordinando todas,
perguntas e respostas, a essa presença que se move como consciência [fraturada]
entre o terno e o eterno, tempos e nuances, experiências e expectativas, e que
invade todas relações, principalmente a relação com a linguagem, que é a
primeira relação da poesia. E esta parece tornar-se a busca e a última resposta
de Daniel Blume, o terno, ao terno.
Antonio
Aílton escreve aos domingos para o Textual.
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