Conversas vadias

CAVALEIRO SONETÁRIO DO QUIXOTE VENCEDOR*

 

Este belíssimo livro ‘Cavaleiro Sonetário do Quixote Vencedor’, recebi-o há tempos, de Rossini Corrêa, professor de Direito, poeta, prosador e ensaísta, que muito me honra, desde os tempos de nossa meninice, a lhe querer bem e admirá-lo, e quem há-de não?

Aqui, como toque essencial aos meus alinhavos, transcrevo esta nota inserida por ele no final do trabalho: “Cavaleiro Sonetário do Quixote Vencedor fora escrito entre o Cairo, no Egito e Valletta, em Malta, em nítida demonstração de que o verbo, o princípio, a energia, o espírito e a substância são universais, legando ao barro humano e ao bicho da terra destinos estrelares. Nascer é renascer a cada dia, sob o Norte, a bússola e o signo prognóstico da reinvenção do humano a melhor, com um par de asas suplantando os pés de ferro, chumbo e concreto.”

 Atrevo-me, diante dessa essência criativa de Rossini Corrêa, pinçada das entrelinhas do clássico de Cervantes, a interpretar os apontamentos que ora escrevo e que se seguem:

Disse certa vez Dom Quixote a Sancho que contasse algum conto para entretê-lo, como teria prometido, ao que Sancho correspondeu que de boa vontade o fizera, se o modo do que estava ouvindo lho consentisse:

- Mas enfim – disse ele – seja como for farei diligências para contar uma história. Dê-me Vossa Mercê toda atenção que já princípio, a contar uma aventura sobre o próprio andante, mas como se fora ele, o leal escudeiro, Sancho Pança, que assim o via através de seus olhos de fiel servidor e acompanhante...

Fotos de Rossini Corrêa e da capa do livro comentado


Era uma vez... O que era; como atrás de tempos, tempos vêm... Era uma vez um cavaleiro poeta apaixonado não por Dulcinéia Del Toboso, mas por uma outra castelã, o que, não muito desigual ao da Triste Figura, assim começou, enamorado, um canto, a dizer ter perdido o destino: “Vede: Sou um louco sonhador cretino, / a querer o mundo sem dor, mal e peste / - pobre Quixote que perdeu o destino...”

E depois do caminho, distraído, perdeu Rocinante: “E desenganado, sofre a dor angustiante / e vai trotando no vazio seco de um graveto / - pobre Quixote que perdeu Rocinante”.

Adiante, o poeta cavaleiro, perdeu o próprio caminho: “Cruéis para mim foram os fados: / [tudo em mim foi dor ou desvario, / olhos postos na luz, e já vazados] / sempre morrer de calor dentro do frio”.

E desditoso, o cavaleiro poeta perdeu a fantasia: “Sem uma gota de verdadeira poesia, /náufrago no pantanoso areal da Vida / - pobre Quixote que perdeu a fantasia...”

 E tempo há, dentro do tempo, que o cavaleiro poeta perde a amizade: “Se querem saber: sou eu mesmo Sancho. / Ele é o outro de mim mesmo dispersado. / E, pela metade, eu agora me desmancho, / que um não pode ser o ser dilacerado.”

Lá pelas páginas tantas, Sancho diz que o amigo perdeu o projeto / e sem planta baixa edificou a casa. / Mas, mesmo assim, arquitetou o teto / escondeu na alma um pedaço de asa.”

Pobre Quixote – o herói de La Mancha, desta vez perde o melhor de seu, a vergonha: “Mesmo que contra o homem tudo deponha, / inclusive, por ser este animal que bate, / tudo logo corrompe em que a mão ponha: / e infamando seu cão, cruel, ainda late...”

Depois, agora, para melhor, “Nobre Quixote perdeu a tristeza / e recuperou o horizonte da alegria. / Tirou o pombo da cartola da beleza /e na fileira do bem inventou o dia.”

Neste momento, ele, Quixote, que também não é o andante da triste figura, mas o Cavaleiro poeta, da bela postura, apruma-se e canta uma Elegia dos Visionários: “E Quixote, todo ancho, / colherá um verde lírio / e responderá: bom Sancho, / somos filhos do delírio.”

E alguma musa, que não é Dulcineia e tampouco Aldonza, mas o pseudo amor dest’outro Quixote, o poeta da bela figura, passa pelos moinhos de vento com o nome disfarçado de “Mona Lisa... Infinita das minhas emoções”, e a caminho, “Infinita Mona Lisa das minhas quimeras...”, e em serenata “Infinita Mona Lisa da minha guitarra” [...] E os dois, cansados de tantas andanças, chegam à Santa Helena, onde Bonaparte amargou a sorte de grande soldado, para dizer, ele, o Quixote poeta e da bela alegria, não de La Mancha, mas de uma Ilha com o epíteto de ser “dos Amores”, não aquela cantada por Camões e pintada por Malhoa, mas a de São Luís do Maranhão... Descobrimo-lo pelo coloquial do termo, que só naquela doce Ilha é usado, e brada feliz: “Como Bonaparte vão sonhando no caminho, / lambendo-se no cio à sombra de um vinho, / noivos chamando-se pequeno e pequena”.

Depois, o nosso herói que já se misturou com as histórias minha e de Sancho, chega à Ibéria, e canta sob o belo azul peninsular: “Colorido dia de Espanha, / de Espanha e Portugal: / [este ouro que o azul apanha e transforma em mel e sal]”. Este ouro não será o reflexo das areias do Tejo, visto pelos olhos de Sancho?

Finalmente, o Quixote poeta e brilhante chega ao Quinto Encontro, ao lembrar-se talvez do Quinto Império, predito pelo Bandarra, sapateiro de tanto espanto: “Nunca jamais se turvam/ mesmo a Lisboa do alto... Com uma vontade de salto, / Lisboa meu chão de nuvem”.

Por fim, lança esta sentença ao seu escudeiro: “Hás de saber, Sancho amigo, que eu nasci por determinação do Céu nesta Idade de Ouro para ressuscitar bela, a de ouro ou dourada. Eu sou aquele para os que estão dados os perigos, as grandes façanhas, os valorosos feitos...” E assim tem sido este cavaleiro, poeta e da brilhante figura, a transmitir bênçãos alegrias... E esperanças!

Rossini Corrêa, Doutor em Direito, com a Tese: ‘Graça Aranha, discípulo de Tobias e companheiro de Nabuco’, de há muito acima dos tatibitates das vaidades e das presunções pequenas,  inaugura-se, assim, na irradiação clássica e universal, a justificar, de modo simples e crédulo, o que o filósofo belga-francês Claude Lévi Strauss dissera em entrevista lítero-científica em Paris, cujo lance fora colhido por Josué Montello, quando embaixador do Brasil junto à UNESCO, em ser “ o maranhense do Brasil, Rossini Corrêa um dos principais pensadores do Mundo Ocidental, neste raiar do século XXI”.

E bem dissera o fundador da antropologia estruturalista!    

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*Fernando Braga, *Este ensaio-poético de autoria de Rossini Corrêa foi publicado inicialmente no ‘Caderno Alternativo’ do Jornal O Estado do Maranhão, de 4 de novembro de 2015, e depois, no belo volume de artigos, editado em homenagem ao Centenário do Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão – UFMA,  e publicado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, OAB - Brasília, 2018. Originais, in “Conversas Vadias’ [Toda prosa], antologia de textos do autor.  

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