Textual

SÃO JOSÉ, MINHAS FÉRIAS

 


Era sempre no mês de julho que nós, da família Franklin da Costa, arrumávamos tudo e íamos a São José de Ribamar passar as férias. Era uma verdadeira mudança, caminhão ‘à porta, mudança colocada. Sim, levávamos moveis, roupas, etc., pois a casa alugada não dispunha de nada.

Íamos em uma longa viagem por estrada ainda de piçarra, lembro-me de que as mulheres, irmãs e mamãe, iam todas com um lenço amarrado na cabeça, mulher com cabelos sujos de poeira era um caos.

Lembro de um detalhe pitoresco: todas as vezes que nos preparávamos para ir, tudo pronto, meu irmão mais novo arranjava sempre uma maneira de nos atrasar, ouvíamos o choro e, quase sempre, víamos o sangue jorrar. Era Seu Riba, o português curto e grosso como meu pai o chamava aprontando das suas.  E meu irmão, não me recordo se o levávamos para o pronto socorro municipal ou se minha mãe fechava o corte com uma boa dose de pó de café sobre a ferida, assim o sangramento parava.

Pois bem, idas e vindas são da própria vida, o importante era chegar em São Jose de Ribamar. Lembro que, na nossa chegada, tínhamos que encarar uma subida, e todos ficávamos apostando para ver quem olhava primeiro a torre da igreja. Antes, na estrada, tinha uma localização que agora não me lembro onde fica, da qual avistávamos primeiro o mar. Era uma festa, uma alegria total, pois assim estávamos chegando ao nosso destino.

Um detalhe que ia já esquecendo, e que era pitoresco, nesta época de julho muitas famílias também iam passar suas férias em São José, o movimento era grande e, assim sendo, as crianças que moravam à beira da estrada ficavam sentados apreciando o movimento dos carros e caminhões que se dirigiam para a cidade balneária, e meu pai ia sempre à frente, na boleia, com a minha mãe, e aproveitava para jogar bombons para as crianças que, creio, já esperavam ali sentadas, acho também que era um hábito os que iam jogá-los, pois era uma festa para quem os pegava. 

E assim íamos para nossas férias de julho, chegando à cidade bastante movimentada ainda não asfaltada, a poeira sempre presente, nos levavam até nossa casa bem perto da igreja e de fácil acesso à praia. Caminhão à porta, mudança desfeita, as tipoias, como minha mãe chamava as redes, nos devidos lugares, a noite já vinha chegando e, até hoje, sinto o cheiro e o gosto de uma peixada, feita com de peixe pedra. Sim, a luz, a cidade não tinha ainda luz e nossa iluminação era de candeeiro. Não lembro como se fazia com a carne e outras coisas que necessitavam de refrigeração. A luz, tenho a nítida visão, era do candeeiro de querosene. Ah, que saudades daquele cheiro de querosene queimado, delicia de um peixe pedra cozido!

Pois bem, mudança feita, tipoia armada jantar servido, íamos à porta da casa e assim escutávamos o som da voz Caramuru, um serviço de autofalante do qual se ouvia alguém oferecer músicas para outro alguém, coisa tipicamente de uma cidade provinciana. A noite passava, e todos devidamente enpijamados, cada qual na sua tipoia. Imaginem os sonhos que de saiam de todos, imaginem as fantasias em mente de crianças.

A manhã chegava, para mais um dia de muita agitação, todos de calção de banho e equipados com o majestoso chamato, uma espécie de tamanco tipicamente de lá de São José. Era confeccionado em madeira e, sobre os pés, passava uma tira de couro geralmente colorida, a madeira que fazia o chamato  provavelmente era pinho, não sei, pois o mesmo era muito leve, o chamato em contato com a piçarra produzia um som totalmente característico.

Após o café, nos dirigíamos com o meu pai em direção ao Barbosa, que era um porto onde ancoravam os barcos que vinham de outros municípios carregados de mercadorias, incluindo as maravilhosas tanjas de São José de Ribamar. Que lembrança fantástica, o doce néctar, a casca grossa de fácil remoção, dela saia um aroma singular. Sempre comprada na quantidade de cem tanjas, eram levadas para a nossa casa e ali mesmo degustada com muito prazer. 

Fim de mais uma etapa matinal, agora nos preparávamos para irmos à praia, até que era bem perto, precisávamos tão somente descer uma escada, e, como diz o ditado, para baixo todo santo ajuda. Imaginem ao meio dia, um sol escaldante, todos nós cansados de uma manhã na praia ter que subir os degraus de uma escada, a qual, para a imaginação de pessoas cansadas parecia interminável. Final de uma manhã, voltávamos para nossa casa. Sempre lembro que, em dias de muita chuva, antes de tomarmos um banho para retirar a areia que ficava no calção e tirar a água salgada, nós, os filhos, com muito frio, éramos presenteados pelo nosso pai com um cálice de Martini doce - ô lembrança maravilhosa, como era bom sentirmos nosso corpo esquentando devido ao Martini.

Das tardes chega outra lembrança inesquecível, devidamente vestidos, perfumado com seiva de alfazema, nos dirigíamos para a igreja e lá ficávamos rodeando-a, numa espécie de procissão, para nós jovens, crianças da época, as vezes os meninos sentavam e as meninas ficavam passando e, assim, saía sempre um flerte. Em uma época inocente isso era o mais que podia ser feito. Na parte da frente da igreja, em uma praça ainda não devidamente pavimentada, os adultos, com seus papagaios (pipa) e bode (um papagaio grande), com suas linhas zero, dois zeros, devidamente engomadas com uma mistura de goma de maisena e vidro moído (cerol), empinavam e praticavam o chamado lancear os papagaios e bode, era uma disputa para ver quem cortava a linha do outro, um verdadeiro espetáculo, o céu de Ribamar se enfeitava, com cada um mais bonito que o outro.

Muita coisa tenho para contar com relação a nossas férias, deixarei para a parte dois. São Jose de Ribamar nunca sairá de nossas lembranças, eram dias fantásticos e maravilhosos, que guardo aqui dentro e fazem-me sempre prisioneiro de minhas lembranças.

 

Roberto Franklin escreve aos sábados para o Textual.

Comentários

  1. Bela crônica, Roberto. As lembranças de São José de Ribamar nos ficaram para sempre cerebrais. Saudades... e.muitas!

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  2. Texto tão saboroso quanto uma caldeirada de peixe-pedra. Maravilha.

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