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O INQUESTIONÁVEL TALENTO DE WALDEMIRO VIANA

 

Por mais que sejam inevitáveis, as despedidas raramente são esperadas e geralmente deixam em quem fica uma incômoda sensação e perda e a certeza de um vazio que nunca mais será preenchido da mesma forma. E, quando se trata de um adeus definitivo, essa incompletitude incomoda muito mais.

De um momento para outro, vem a notícia de que alguém partiu rumo ao misterioso infinito. Um telefonema, uma mensagem, uma postagem, uma conversa ou até mesmo uma frase captada quase sem querer... tudo pode trazer até nós a informação da qual queremos fugir indefinidamente. Mas um dia todos nós seremos alcançados pela ineludível certeza de que nossos amigos e entes queridos partirão.

Neste início de agosto, os admiradores da boa e bem elaborada prosa de ficção foram surpreendidos pela notícia do passamento do romancista Waldemiro Viana, um dos mais importantes narradores maranhenses dessa transição do século XX para o XXI. Porém, além de ser um prosador bastante criativo, muito lido e admirado por um grande público, Waldermiro Viana era muito estimado também por ser uma pessoa amável, de fino trato e que sabia fazer amigos por onde passava.


 O poeta Waldemiro Viana


Na Academia Maranhense de Letras, que hoje, dia 10 de agosto, enlutada, completa seus 110 anos de vida, ocupava, desde 1984, a Cadeira número 02, patroneada por Aluísio Azevedo, fundada por Domingo Barbosa e que teve como antecessor o poeta Fernando Viana, pai do escritor.

É praticamente impossível alguém ler os romances de Waldermiro Viana sem se sentir como se fizesse parte da narrativa, torcendo pelas personagens e vivendo as tramas entrecotadas de aventura, sensualidade e refinado senso de humor. Seu estilo enxuto e carregado de cenas inusitadas prende o leitor desde os primeiros parágrafos e deixa a impressão de que escrever um romance é uma tarefa fácil e descomplicada.

Em seus 74 anos de vida, o escritor deixou para a posteridade os romances “Graúna em roça de arroz” (1978), “A questionável amoralidade de Apolônio Proeza” (1990), “O mau samaritano” (1999), “A tara e a toga” (2010), “O pulha fictício” (2013); “A vez da caça” (2015) e “Maria Celeste da terra e do mar” (2016), além de “Passarela do centenário  & outros perfis”, livro no qual, de modo bem humorado, escreve sonetos nos quais traça o perfil físico e psicológico de seus pares na AML.

Apesar de ter uma produção literária nivelada por cima, dois dos livros de Waldemiro Viana acabaram tornando verdadeiros clássicos dentro do cânone literário maranhense: “Graúna em roça de arroz”, um romance com teor regionalista, mas que abarca temáticas universais que levam o leitor a refletir sobre a condição humana e as múltiplas bifurcações que entrecruzam os inúmeros encontros e desencontros que fazem cada leitor se identificar com as aventuras e desventuras das personagens.

O outro livro de grande aceitação pública é “A tara e a toga”, uma livre interpretação literária de um dos crimes mais conhecidos e comentados da história do Maranhão, quando o desembargador Pontes Visgueiro matou e esquartejou Mariquinhas, uma adolescente com quem mantinha uma relação de interesses físicos e financeiros. Mesclando pesquisa histórica com o preenchimento artístico de lacunas, o escritor construiu uma narrativa que desperta curiosidade, diverte e até mesmo assusta quem começa a ler o livro.

Em todas as suas narrativas, Waldemiro Viana sempre prezou por uma escrita límpida e carregada de nuances que levam os leitores a uma mescla de sentimentos e sensações que podem ir desde o riso desenfreado até a uma tristeza profunda por conta das intempéries por que passam as personagens.

Infelizmente, esse talentoso e gentil escritor nos deixou sem a possibilidade de um último aceno de despedida. Mas seu nome e suas obras ainda ecoarão ao longo dos anos e décadas como exemplos de pessoa digna e de livros que podem nos acompanhar em qualquer situação.

Este modesto artigo, mais do que um singelo apanhado da obra de Waldemiro Viana, é uma forma de agradecimento pela cordialidade e gentileza de um homem que nos deixou fisicamente, mas que sempre estará em nossas recordações.

 

José Neres escreve às segundas-feiras para o Textual. 

Comentários

  1. Muito bom teu texto, Neres, muito sensível, que nos faz conhecer mais e admirar ainda mais o mestre Waldemiro Viana.

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    1. Waldemiro era um mestre da prosa. Muito talentoso e criativo em suas narrativas.

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