Textual
O
TOCA-DISCOS
Acordou com aquele
gosto amargo na boca. Foi até a cozinha, nu mesmo, àquela hora a Vanda ainda
não tinha dado as caras no apartamento, a condução sempre atrasava.
Ao passar pela sala,
viu o trambolho em cima do tapete. Parece que alguém tinha jogado aquilo lá.
Mas quem?
- Quem botou essa porra
aí?
Era um toca-discos.
Daqueles antigos, cheio de botões frontais, tampa de acrílico, duas portas para
pôr as fitas cassete. Exceto o acrílico, o resto era cor de chumbo.
Três módulos. O de
baixo devia ser onde ficava a maquinaria, pois não tinha entrada pra nada. O do
meio era o porta-cassete e o de cima, o toca-discos.
- Quem botou essa porra
aqui?
Ligou para a única
pessoa que podia saber o que aquilo fazia de manhã na casa dele:
- Tu não te lembra,
safado? Tu comprou essa merda aí de um ambulante que tava na praça. Ele ia
levar pra vender pra um colecionador e tu disse que ficava com ele.
- Quanto?
- Tu pagou 400 paus por
ele. O cara saiu feliz da vida.
- Puta que pariu!
- Precisava ver a cara
do sujeito, saiu correndo com medo de tu desistir. Daí a gente carregou ele aí
pro teu buraco, porque tu mesmo não tinha condições de levar nem a
agulha...tava completamente doido.
- Não me lembro de
nada.
- Porra, se te
lembrasse era milagre.
Clic.
Ajeitou o toca-discos
num canto da sala, ligou na tomada. Pegou um long play do Chico Buarque que
tinha comprado um tempo atrás num sebo do centro, por causa da capa e também
porque a Anita tava naquela de fazer mandala com bolachão, aprendeu num curso
de artesanato.
Botou o disco no prato,
puxou a agulha e esperou. A agulha fez o movimento, mas o som nada. Afastou da
parede para verificar a fiação. Tudo normal. Mexeu nos botões. Rodando
direitinho.
Nem ia mandar ninguém
olhar. Foi na cozinha, trouxe uma toalha de mesa, ajeitou no acrílico e botou
um jarro em cima.
Marcos Fábio Belo Matos escreve às terças-feiras para o Textual.
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