10 poemas de José Ewerton Neto
AOS NÚMEROS
Ao número um que às vezes me cabe
Nas vezes em que não estou mais em mim mesmo
Ao número dois que em si desabe
A vontade de partir de mim, vagando a esmo
Ao número três que de mim arranque
Uma ponte de seguir do um ao último
Ao cinco, ao dez, que não estanquem
Essa ânsia de ir além, de número em número
Ao número mil cuja extensão
Me sirva de estação, lugar e hora
Ao milhão em que logo após eu chegue um vão
Viajante com saudade de ir embora
Para lá, mais além, bilhão, trilhão
Até o mais alto infinito da memória
Onde o esquecimento jamais turve essa ilusão
De que fui além do um, de mim, de sempre
e
agora.
INFINITO
O infinito, na matemática
Mal consegue disfarçar
Sua sina de impostor
Suas mãos, úmidas de estrelas
Ao cravar-se nas fórmulas
Da essência dos signos se apropria
E reluz a insana farsa
De caber-se no tempo, sendo eterno
Na fração sendo infinito
Pela soberba, talvez, de sendo tudo
Imaginar que só lhe basta
Vestir-se do avesso pra ser nada.
REGRA
DE TRÊS SIMPLES
Todo mundo tem
Sua regra de três:
Aviso, chão, bala...
Céu, lua, destino...
Mulher, filho, mulher...
Passa a vida inteira
Tentando resolvê-la
E, simplesmente,
Um dia acha a incógnita
E morre.
TANGENTE
O mar era ainda mais o mar
E o palpitar de tudo o que era vida
Batia no muro do céu e refletia-se
Em sua amplidão e superfície
Um pássaro que sobrevoava
A calma em azul sobre a marinha tombou
E do céu caiu oblíquo, projétil carnal de luz
Ponte pênsil entre as amarras de espuma e nuvem
Pedra dura em rota marítima pouca de destino
Mas, à medida que afundava
As ondas se infestavam dos fantasmas
Dos seus ossos, aquosos, cintilando
Entre as espumas como vagas, ou centelhas
Um músculo do mar moveu-se então
Como um murmúrio da história
Arrancado de entre as águas. Ponto de ardor,
Pleno de morte, partícula de sal tocada pela dor...
E o pássaro continuou então sua trajetória
De onde há pouco pousara por descuido
Por um instante tangente à superfície do mar.
HIPOTENUSA
A hipotenusa
Por hipótese seria
Uma mulher
Dentro de um triângulo
E, por hipótese, se soltaria
Viajando no próprio nome
Dos lados que a constrangem
Da fórmula que lhe limita
E ainda por hipótese
Rasgaria o teorema que a cobre
Como um lençol
Para arder em seu voo mulher
Um novo triângulo que lhe queima
Como um sol
E, não mais por hipótese, mas em real
Mandaria às favas, nessa noite
Sua vida reta, retângula
Ainda que amanhã bem cedo
No lar continue igual
À soma dos quadrados dos catetos.
PÁTRIA
Pouco depois
Do solo
O que teria
de vir?
Quase à maneira das asas
Uma oração atravessada no espaço
Chama-se pátria
A esse cordão de gritos iguais
Que o solo reclama
Para seu adorno.
ÓRFÃO
Seja de prece
o teu rosto
E tuas longas mãos
como um rosário
e eu poderia
te enforcar
com um terço
e depois
secar as minhas
culpas
na tua alma de santa
FIGURAS
GEOMÉTRICAS
Cilíndrica
A mulher cilíndrica é um gato
Que aos círculos sobe, foge
Mas ao rodar não se lembra
Que é escrava do próprio giro
E nem adianta arranhar
As transparentes paredes
Desse anel que se projeta
Num céu que não acaba
Muito menos recordar
Que esse anel tem fronteiras
É crescer, crescer até que,
De repente a vida surja como tampa
Esférica
A mulher esférica
É um coração que vibra
Em todas as direções
Como um pião girando
Em torno do próprio espanto
Longe de seu lugar e hora.
Como um ponteiro que, descompassado,
Cai da abóboda do tempo
É logo capturado pela dança
Da ilusão e do sonho...
E roda ribanceira abaixo ou acima
Ao sabor dos impulsos do amor e da dor.
Cônica
Mulher cuja altura dela foge
Toda vez que em círculos de prazer se deita
A acariciar às escondidas
O mais profundo poço de si mesma
Mulher que dela foge e, de repente,
Às ribaltas, aos voos, às asas
Quase lhe leva junto
Num momento de ternura e rosas
Porém, ao bater com a cabeça no céu
Sua altura para num ponto, uma cruz.
Mas não ela que, pacientemente, faz
Do novelo desse sonho, seu capuz.
POEMA
NÚMERO
A diferença dos poemas
Para os números está nos lobos
Certo, não no número de lobos,
Ou no tamanho de
suas garras,
Na espessura dos focinhos,
No ângulo de suas presas
Mas neles,
Nos próprios lobos
Os lobos entre números são velozes,
Cinzentos, sacodem suas garras,
Pulam vários metros,
Avançam sobre as vítimas, se dividem,
Se multiplicam
ou morrem
Apenas lobos
Nos poemas, não
Uivam noite e dia sem parar
E quando morrem nem mesmo se sabe
Se foram lobos, ou apenas
Uivos de alguém
Que foi seu próprio lobo.
O
PISTOLEIRO
Uma rua suja
E cheia de buracos
Multiplicava-se
(Por quantas rugas)
Nas faces daqueles homens
De corações mal-encarados
E havia um SALOOM
E um sol muito quente
De repente, ele surgiu:
Vestido de preto
Marcado de ira
Festejado de músculos
Ensopado de maldade
Feliz de altura
Gasto de sorrisos
Espremido de vida
Ensandecido de cabelos
Remendado de coragem
Roubado de medo
Montado num corcel branco
E relinchando pelo cano de sua pistola de prata
Saboreando tantas vidas mortas
No fumo preto de seu charuto grosso
E, enquanto o seu olhar de cobra
Feria o espaço e maltratava o infinito
O sol se escondia – covarde! –
Por trás de uma nuvenzinha qualquer
Seus olhos azuis, de azul nunca visto
No céu e na terra, iam e vinham
(de onde? Pra onde?)
Recolhendo dos tons do entardecer
As parcelas para o ajuste de contas
Entrou
no SALOOM
-
Quero um copo de leite.
-
Leite? Ah, Ah, Ah! Vai ter de beber uísque
Vai ter de beber uísque – Vai ter de beber uísque – Vai
ter de beber uísque –Vai ter de beber uísque – Vai ter de beber uísque – Vai
ter de beber uísque – Vai ter de beber uísque – Vai ter de beber uísque – Vai
ter de beber – Vai ter de beber uísque – Vai ter...
O fio que separa a vida da morte
Encurtou até ser um ponto
Maior um instante (ainda)
Que o ponto final
E
a morte abriu sua imensa boca
BANG BANG ZING BANG
UI BANG BANG AI BANG SOCOOORRRO OHHHH
BANG BANG ZING BANG
UUIII BANG ZING AAAIIIIIIIIII BANG BANG ZING AI
Desnecessário seria
Perguntar-lhe pelas balas
Ou o porquê dessa tristeza
Depois delas
A verdade dos cadáveres
Valia-lhe um pouco mais
Quanto mais agora
Que o sol da tarde de ira
se
punha no seu sorriso
E o que mais for dito
Foi por ele pressentido
Por seu destino tragicômico
De pistoleiro cruel
Morto por um
THE END.
JOSÉ EWERTON NETO nasceu em Guimarães, MA, em 4 de abril de 1953. Publicou 9 livros, sendo 2 de poesia, 2 de contos, 1 de crônicas e 4 romances, sendo 7 premiados, entre eles ‘Cidade Aritmética’ (poesia), O oficio de matar suicidas, O Menino que via o além, O entrevistador de lendas e O ABC bem-humorado de São Luís.
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