Textual
O paquiderme
- Quer dançar?
Era assim que o
paquiderme se aproximava de todas. Anos a fio, o mesmo bote. Às vezes dava
certo, mas quase sempre o resultado era o desprezo delas, puro e simples. O
paquiderme não se abalava. Lento como chegou, voltava para a sua parede do
salão. E de lá ficava perscrutando o alvo da sua próxima investida. E assim ia
toda a noite.
Todas as noites do
paquiderme iam assim, desde que descobriu os prazeres do fumo, do sexo, do
álcool e do pico na veia. Os mesmos lugares, os mesmos pontos. Chegava de
mansinho, um aceno para dois ou três camaradas, uma passagem no balcão e a sua
parede.
O paquiderme tinha uma
cabeça enorme, mãos enormes, uma boca enorme, olhos enormes, um corpo colossal
e um sorriso meio abobalhado – a boca aberta e o som saindo a espasmos. Tinha um passo lento, pesado, e ficava meio
letárgico quando bebia ou picava na veia.
Morava sozinho, num
apartamento do centro. “O meu templo”
como dizia aos amigos quase sempre no final da noite: “Vou voltar para o
templo”.Apartamento pequeno, poucos móveis, uma estante com livros de sebo, uns
cd´s de uma gente que as meninas não curtiam. “Você tem uns cantores de merda
aqui” disse uma delas um dia. A mão pesada e lenta do paquiderme estalou na
cara, a boca cheia de sangue, um hematoma na face e três dentes quebrados.
“Para aprender a respeitar o templo”, ele disse ao delegado. Ficou uma noite no
xadrez e levou uma surra de pau “para nunca mais bater em mulher, nem da rua
nem de casa”.
Muita droga, pouco sexo.
O paquiderme não tem sorte com as mulheres. As roupas não ajudam, a cara também
não nem os cabelos espetados. As
honestas não querem dançar. As de programa não querem ir ao templo, com medo de
serem violentadas por aquele homem com voz de trovão e risada de idiota. “O
soco na cara daquela puta piorou as coisas”, confessa ao garçom no balcão, já
doidão.
O paquiderme não tem medo de quase
nada. Não tem medo das surras da polícia, nem das meninas que se deitam com ele
com o canivete ao lado, na mesinha, nem dos caras que vão entregar os picos com
a pistola à mostra, na cintura, nem de morrer qualquer dia desses, sozinho no
templo, doidão. “O que eu tenho medo é
de ficar sozinho quando o pau não prestar mais pra nada”.
O paquiderme não tem a
solidão natural dos elefantes.
Marcos Fábio Belo Matos escreve às terças-feiras para o Textual.
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