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E SE?

 

 


O porvir se afasta cada vez mais. O que era para o fim se 2020, passa para o começo de 2021, para março, e agora com o distanciamento da miragem da vacina total,  que vai vir em conta gotas, com distribuição atabalhoada, e, como tal, será pouco eficiente. Não duvidem será mais um ano de confinamento, de desamor, de temor ao próximo.

No Reino Unido, a vacinação começou em janeiro, em Londres, sei, por meio de ludovicenses  residentes lá, que  os habitantes estão em rígido lockdown, saindo apenas uma hora por dia. E assim ficarão até a completa vacinação, o que deverá acontecer  em março. Aqui, começaremos espaçadamente, com muitas categorias (já estão todas mapeadas?).  E com base em diversos estudos e previsões, teremos sorte em completar a vacinação em fins de 2021.

Os idosos e os portadores de comorbidades, uma das palavras que entraram para o  vernáculo leigo do dia-a-dia  por conta desta peste moderna, são os que estão sofrendo mais com estas alterações. Vivendo os últimos dias de suas vidas, dias, em que até  as horas são valorizadas, porque são poucas e passam muito mais rápidas do que queríamos. Nosso tempo é precioso, porque curto.  Deixamos de ter agradáveis encontros com amigos de muitos anos, que vivem confinados como nós, e os telefonemas não bastam, deixamos de reunir e abraçar filhos e netinhos fofinhos,  deixamos de sair para assistir um show, um filme, uma peça de teatro. E não me digam que é a mesma coisa no Netflix, nas enjoativas lives. Ó céus.

Os agradáveis papos de supermercados,  que mantínhamos com o encontro de amigos, acabaram. Quando nos encontramos, no máximo, nos damos ridículas cotoveladas e a conversa é breve; de alguns, com menos intimidade, fugimos.

Acham os otimistas, aqueles que veem o copo meio cheio, que sairemos melhores disto tudo, apurados por nossas agruras, deste interregno que já se faz longo demais. Eu, pessimista de carteirinha, acho que, além de permanecermos os mesmos, na era pós-COVID, ainda acrescentaremos mais algumas  indignidades ao nosso currículo. Não necessitamos pensar muito para chegar ao crime hediondo, bandidos estão assassinando pessoas quando roubam a verba destinada à compra de respiradores, oxigênio, remédios e outros insumos. 

Em hora dessas, assoma a barbárie em nosso peito, tal a indignação e pensamos que em certos países estes bestas-feras estariam de mãos cortadas, degolados ou, em roubos menos letais, levando chicotadas em praça pública. Não seria mau, pensa o primitivo dentro de nós, ainda mais que sabemos serem esses crimes, julgados, ad infinitum, até o seu esquecimento. Como tem acontecido até aqui.

E se não reaprenderemos a abraçar para consolar amigos? O aperto de mãos, coisa muito antiga, mas que pegou moda depois da Segunda Grande Guerra, influência do shake  hands  americano  trazido pelo cinema, permanecerá com a mesma popularidade? Ou, após a máscula saudação, correremos para desinfetar as mãos com álcool em gel? Os dois beijinhos, introduzidos há não sei quantos anos e nunca muito bem aceitos por muitas mulheres, que, de longe, fingem que beijam e são aproveitados por alguns homens que se excedem dando estalados beijos nas mulheres, fato detestado por maridos e que tais. Esses, eu acho que deveriam acabar, pela hipocrisia das mulheres e falta de decoro dos  homens.

E se, após tanto confinamento,  ficarmos ”cocooners”, como muitos americanos e anglo-saxões ao largo do mundo, e não quisermos mais compartilhar a vida com outros amigos?

E se, traumatizado com velórios, perdermos a tradição consoladora de acompanhar amigos à sua última morada ou de assistirmos à missas de sétimos dia?

E se a mania de assistir lives permanecer? E se a maioria for de sertanejo universitário e funk?

E se?...

 

CERES COSTA FERNANDES escreve às quartas-feiras para o Textual. 

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