O PASTOR DE JESUS E A IGREJA DE DEUS

 

“Sete anos de pastor Jacó servia/ Labão, pai de Raquel, serrana bela; Mas não servia ao pai, servia a ela,/E a ela só por prêmio pretendia”. Eis um fragmento de um soneto clássico português, do poeta Camões. A obra fala de uma passagem bíblica, que narra a história do amor de Jacó por Raquel. Jacó foi pastor do tio Labão, com quem fora morar.  Labão tinha duas filhas: Lia, a mais velha e Raquel, a mais moça. Jacó apaixonou-se por Raquel e prometeu servir a Labão por sete anos para casar com ela. Labão aceitou. Passados os sete anos, Labão deu a Jacó Lia. Naquela época, as mais novas não poderiam casar antes das mais velhas. Por causa disso, Jacó teve que servir a Labão por mais sete anos pra ter Raquel.

O número sete tem os seus mistérios; na Bíblia católica, então, é considerado sagrado. Assim, são sete os livros sagrados do Antigo Testamento; sete, também, os sacramentos da igreja católica. A criação do mundo ocorreu em sete dias, e Jesus, em sua última súplica, pronunciou sete palavras: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito”. Ademais, se bem observarmos, sete são as virtudes humanas: fé, esperança, prudência, amor, justiça, fortaleza e temperança; sete também são os pecados capitais; as cores do arco-íris; são sete os mares navegáveis e, no manifesto das artes, lá estavam elas, as sete artes: a música, a dança, a pintura, a escultura, o teatro, a literatura e o cinema.

O leitor deve indagar: por que essa prosa em torno do número sete e do pastor hebreu Jacó?  É que me lembrei de quando eu era chefe de serviços de audiência na Justiça do Trabalho. Lá, eu presenciava fatos inusitados entre litigantes. Certa vez um juiz proferiu uma sentença referente a uma reclamação ajuizada por um pastor que trabalhara, durante sete anos e alguns trocados meses, em uma igreja evangélica (Igreja Internacional da Graça de Deus). Surpreendeu-me saber que o nome do reclamante era “de Jesus. Olhem que coincidência! Os nomes das partes suscitavam uma litigância entre um reclamante que era de Jesus e uma reclamada que era de Deus. Como se não bastasse, estavam ali sendo colocados, com robusta prova, os serviços prestados pelo reclamante de Jesus na divulgação do evangelho e celebração de cultos na reclamada de Deus, em prol de suas ovelhas. Era uma prestação laboral em favor da fé!...

De Jesus alegou que iniciara seus serviços na Igreja de Deus em outubro de 2002, como pregador e ministro do evangelho e que, a partir de janeiro de 2005, virou pastor; que gozava folga semanal nas quintas-feiras, que sua carteira de trabalho não foi assinada; que trabalhou até 04 de janeiro de 2010. Queria o reconhecimento do vínculo empregatício. Em razão disso, pediu em juízo tudo que considerava devido em razão da sua prestação laboral com a reclamada. Depois de todos os atos processuais e análise apurada dos fatos em confronto com a lei, o juiz declarou a existência do contrato de trabalho, entre a reclamada e o reclamante, e condenou a Igreja de Deus a pagar ao pastor de Jesus todas as verbas requeridas. Final feliz pra Jesus!...

Mas, voltando aos hebreus...  E, se houvesse Justiça do Trabalho na época de Jacó e Labão, como terminaria o soneto de Camões? Só Deus sabe. Uma coisa é certa: nós, leitores, seríamos condenados a não ler este tão belo soneto: “Sete anos de pastor Jacó servia/ Labão, pai de Raquel, serrana bela; Mas não servia ao pai, servia a ela,/E a ela só por prêmio pretendia./ Os dias, na esperança de um só dia,/ Passava, contentando-se com vê-la;/ Porém o pai, usando de cautela,/ Em lugar de Raquel lhe dava Lia./ Vendo o triste pastor que com enganos/ Lhe fora assim negada a sua pastora,/ Como se a não tivera merecido,/ Começou a servir outros sete anos,/ Dizendo: Mais serviria, se não fora/ Para tão longo amor tão curta a vida”.


                      

                                                    Wanda Cunha é poeta e presidente

da Academia Maranhense de Trovas

Comentários

  1. Wanda uma inspiração com esse texto reflexivo

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    1. Não sei de quem é o comentário, mas agradeço de coração. Wanda Cunha

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  2. Grata por Camões, pelo mistério do número 7, pela história no seu ambiente de trabalho e a tão inteligente relação entre eles.

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  3. Bela crônica, Wanda Cunha. Um flagrante da vida cotidiana, das relações de trabalho com o humor bem nítido da situação, Jesus processando Deus. Muito bom texto

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  4. A capacidade criativa de Wanda Cunha sempre me surpreendeu. Conectar labor e tradição bíblica, tudo isso citando Camões, deveras me impressionou. Parabéns, Wanda, por mais essa Pérola da literatura matanhense.
    NicoIau Fahd

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  5. Sempre maravilhosa!
    Meus parabéns querida presidente da AMT! Bjs. Dilercy

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  6. A escritora Wanda Cunha é uma verdadeira mestra da palavra. Seu estilo de escrita é poético e emotivo, capaz de transportar o leitor para mundos desconhecidos.São verdadeiras obras-primas.

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  7. EUZEBIA DA CONCEICAO BRAGA BARBOSAsexta-feira, 11 abril, 2025

    Minha amiga, Wanda, excelente crônica, bem inusitada a comparativa e descrições ao número sete, em nuances sagrados e outros .
    E lendo tua citação de Camões, por este texto bíblico, me veio aos ouvidos nosso querido Professor Carlos Cunha, teu pai, a declamar essa poesia, entre tantas no Colégio Nina Rodrigues. Por quantas vezes. Inesquecível.
    O bom de tudo que permanecem esses momentos por vocês, com esse Dom poético cultural.
    Parabéns e obrigada!

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  8. Parabéns Wanda! Ótima reflexão!

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  9. Wanda, você é excelente!

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