ENVELHECER

 

Envelhecer, palavra que às vezes dá até medo de pronunciar, principalmente para nós, mulheres, que enfrentamos o desafio diário das cobranças sociais, dos padrões de beleza e comportamento.

Se o processo em si já apresenta suas naturais dificuldades, o preconceito agrava ainda mais essa fase inevitável a todo ser humano que tem o privilégio de desfrutar da vida em uma idade mais avançada.
"Liberdade caça jeito" (Manoel de Barros). Vislumbrei essa liberdade quando dei o importante passo, há sete anos, ao decidir não pintar mais os cabelos, deixá-los prateados como a lua.

Se não me engano, acho que foi Rita Lee quem disse: "envelhecer não é para os fracos", e não é mesmo. Não é fácil aceitar as limitações que vão chegando, as novas companhias, as "ites", os cuidados redobrados que se tornam necessários em determinadas situações e, o mais importante, internalizar, mas sem se tornar refém do perigoso estigma: "isso não é mais pra mim".

Com ele veio a aposentadoria, outra palavra que assusta a muitos, como se fosse sinônimo de "morte". E agora, o que vai ser da minha vida?

Durante 33 anos exerci o magistério superior na UEMA, verdadeira escola de aprendizagens, que me ensinou a me enxergar e a tentar ser melhor diante da grande diversidade de universos e situações que se apresentavam a cada semestre.

Mesmo me sentindo uma privilegiada por ter tido essa honrosa missão, descubro como é bom não ter compromisso com horários, agenda fechada, conversar com o ócio, escrever, ler e recitar poesia, preparar performances, ir a todos os eventos literários possíveis, participar de saraus e da vida cultural da cidade, ter interesse por outra língua, viajar sozinha, ou com amigas, se a condição financeira permitir, participar de rodas de café com irmãs e amigas, grupos de estudo, assistir a filmes em qualquer horário, ouvir música saboreando um vinho, fazer pilates... Ufa! Tudo isso me dá enorme prazer porque a vida presta.

Mas, primordialmente, rir de si mesma: o bom humor, mais do que nunca, é indispensável para perceber que a graça maior está em você, apesar dos pesares que todos nós colecionamos neste intenso instante que chamamos de vida. E cada um de nós, com a sua capacidade, faz-se inteiro em toda a sua plenitude.
O tempo se torna mais precioso, e é preciso preenchê-lo com o que realmente valorizamos, no mais fino acabamento. É fácil dizer não ao que não nos acrescenta nem agrega valor.

Não digo que, de vez em quando, não se torne chato, mas aí me permito uma cobrança pertinente por demais: onde está a sabedoria que deve acompanhar o envelhecimento para entender que o sentido da vida é viver em busca de sentido?
Tento fazer como diz um poeta: "enquanto se vive, a morte não existe".
Ah, como é bom estar viva, ter esta idade madura, às vezes tão dura, em que derrubo muros mirando crepúsculos que saem de dentro de mim.
Sem medo de envelhecer.

 


Silvana Meneses é poeta, professora e membro

da Academia Caxiense de Letras 

Comentários

  1. Amei! Envelhecer com qualidade. Para mim, a aposentadoria me trouxe tantas outras possibilidades. Um tema importante, Silvana.

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  2. Parabéns, Silvana, pelo texto reflexivo. Só consegue chegar à velhice quem dribla a morte ao longo da vida. Drummond dizia: "Há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons". Estou radiante na minha segunda caixa de bombons. Wanda Cunha

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