EMERGIR OU FICAR NO ABISSAL

Impressões sobre o livro “Como se dissesse água”, de Franck Santos 

Franck Santos é desses escritores contemporâneos que não quero que falte na minha estante, na cabeceira da minha cama, na mesinha ao lado do sofá, na minha bolsa de viagem. Porque lê-lo é quase um morrer, é quase um viver, é quase um explodir e um implodir ao mesmo tempo; é uma revolução pela qual precisamos passar, se quisermos (sobre)viver. É fazer uma viagem ao nosso próprio interior de maneira única.

Sempre que eu leio Franck Santos, eu entro em erupção, viro caos e reflexão, penso nas coisas findas e miúdas e na transitoriedade das coisas vividas. De repente, sou uma mulher de sessenta anos – como a personagem desse livro - em um tempo de catástrofes climáticas, distanciamentos, isolamentos, sentada numa espreguiçadeira no jardim de sua casa, com suas reminiscências, com suas vivências, com as suas indagações sobre o cotidiano, sobre todas as formas do amor e o que é amar, sobre a vida e sobre a morte; como se a mente fosse uma ânfora velha de onde se derramam lembranças, sons, aromas e cores que se concatenam. Onde a vida mais cotidiana se mistura com as atividades da rotina, entre citações de livros e canções.

A escritora Clarice Lispector escreveu que “a vida não é de se brincar porque em pleno dia se morre”, penso nisso quando a personagem/narradora questiona: “que ninguém termina de ler um livro, limpa a casa ou viaja para morrer [...] “ou a morte, seja ela qual for, é desesperadamente injusta, insuportável e incompreensível” [...]. Somos Lauras ouvindo a necessidade do outro. Falar é o desejo de que os outros ouçam nossas vozes e entendam nossa alma. Quem não divaga, rememora, reflete, fica um turbilhão de emoções diferentes no dia do aniversário? Ainda mais quando se faz sessenta anos? Há medo? (In) satisfação? Arrependimentos? Lembramos das nossas loucuras, dos nossos amores, das viagens, dos amigos, do que sonhamos e realizamos ou não. Lembro do que disse o poeta Rumi: “A vida é um equilíbrio entre guardar e deixar partir”, porque com o tempo tudo pode desaparecer: pessoas, coisas, experiências.

A personagem/narradora nos diz que “alegria também é resistência”. Que precisamos encontrar na escrita, numa taça de vinho, num cigarro, a resistência necessária. A alegria necessária. Tudo isso em estado de graça, entre o delírio e o espanto.

“Como se dissesse água” é uma prosa longa que, como mar, não somos nós que entramos nele, mas é ela que nos faz mergulhar profundamente. Cabe ao leitor vir à tona ou ficar no abissal. 

  



Anna Liz é mestre em Letras, poeta e cronista

Comentários

  1. Parabéns, Anna! Muito bom. Basta ler Franck pra gente querer escrever sobre ele. Também já fiz duas resenhas de seus livros. Verdade: um escritor que não pode faltar na cabeceira de nossa cama. Wanda Cunha.

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  2. Texto muito bom, inspirador! E Franck Santos aparece como leitura necessária, imprescindível.

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  3. Parabéns 👏👏👏👏

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  4. Para ens ao autor, Franck Santos .e à cronista Ana Liz! Meus aplausos.!👏👏👏👏Dilercy Adler

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