TV RIBEIRO
Chamavam-no de TV, mas seu nome mesmo era Ribeiro. O apelido colocado
na infância, tempo difícil em que a televisão era luxo. Em sua casa, o aparelho
demorou a brilhar. Por isso, Ribeiro se acostumou a assistir os programas pelas
janelas dos vizinhos, com os olhos curiosos e o queixo apoiado no parapeito da
esperança. Era desses meninos que aprendiam o mundo do lado de fora.
Na rua, virou costume: “lá vai o TV!”. Alguns zombavam, outros
admiravam aquele garoto que decorava novelas, narrava futebol com emoção e
sabia as falas dos comerciais. O mundo se abria pela tela dos outros, mas a
imaginação era dele. E talvez por isso tenha crescido com um senso raro de
observação. Sabia ler os gestos, ouvir o silêncio, perceber o que se escondia
nas entrelinhas.
Quando cresceu, o destino o levou ao Jornal Pequeno, onde trabalhou
por décadas até se aposentar. Era ali, entre papel, máquina e silêncio de
redação, que Ribeiro encontrou seu ofício. Não escrevia manchetes, mas cuidava
dos proclamas, daqueles pequenos anúncios que avisam casamentos, lutos,
esperanças. Digitava nomes com zelo, como quem costura histórias.
Nos dias em que a cidade parecia girar mais devagar, lá estava ele,
firme, atento, pontual. Um funcionário dedicado, desses que fazem falta quando
se aposentam. Trabalhava com simplicidade e orgulho, mesmo quando as teclas
começaram a doer nos dedos. E mesmo assim, não se queixava. Preferia conversar
sobre futebol, contar causos da Madre Deus, bairro que era sua morada e alma.
Ribeiro era vascaíno. E não escondia. Em dia de jogo, vestia a
camisa preta e branca com um sorriso tímido. Sofria com o time, mas mantinha a
fé. Dizia que torcer era como viver: um eterno exercício de paciência e
esperança.
Na Madre Deus, todos o conheciam. Era o senhor que gostava de
sentar à porta, cumprimentar os vizinhos, ouvir o tambor das festas juninas, os
ensaios do bumba-meu-boi. Mesmo já aposentado, tinha um jeito de cronista sem
papel. Observava e refletia sobre tudo, sem fazer alarde. Sua fala era mansa,
mas certeira.
Foi entre esses folguedos que ele partiu. No dia 15 de junho de
2025, quando o bairro se enfeitava de bandeirinhas e cheiro de milho, Ribeiro
silenciou. A notícia correu como fogueira acesa. E, naquele instante, todos
pararam. Porque perder Ribeiro era como desligar um canal querido da infância,
uma memória que se apagava com doçura e saudade.
Sua ausência virou presença em cada conversa. Lembravam dele rindo
baixinho, digitando com cuidado, reclamando do Vasco, olhando as nuvens
passarem como quem escreve uma história invisível. Amigos de infância, colegas
do jornal, vizinhos da rua... todos tinham um pedaço dele guardado em algum
canto do coração.
Penso que Ribeiro era mesmo uma televisão humana. Ligava-se nos
outros com empatia, transmitia paz, conectava histórias. Não precisava de
controle remoto, porque controlava o tempo com gentileza. Era daquelas pessoas
que, mesmo sem ter tido muito, deu tudo de si em gestos miúdos e
significativos.
E é por isso que ele não será esquecido. Porque há nomes que a
gente guarda nos documentos, mas há codinomes que ficam vivos nas esquinas do
afeto. Ribeiro foi “TV”, foi amigo, foi cronista dos dias comuns. E, agora, é
saudade que transmite sua própria luz nas lembranças que deixou.
Que os céus tenham sinal aberto para sua chegada. E que, de onde
estiver, TV Ribeiro possa continuar assistindo a vida, como fazia quando menino,
com olhos curiosos e o coração ligado em tudo.
Bioque Mesito é poeta, autor de cinco livros
de poemas publicados
Beleza, Bioque Mesito. Aqui é a Beth, ou a Elizabeth Oliveira, Poeta, Escritora, Pedagoga, etc. Nos conhecemos faz tempo, qdo morei aí e hj estou no Rio, mas sempre ligada à S.Luis,onde fundei uma ONG para melhorar a Segurança Pública, etc. Hj o tempo me deu uma folquinha e pude te escrever. Fique na Paz e na Poesia!
ResponderExcluirLembro. Que bom Elizabeth! Minha filha mora no Rio de Janeiro também.
ExcluirSaudoso TV, descanse em paz, grande amigo!
ResponderExcluirTive a felicidade de ser amigo do saudoso TV. Nós nos conhecemos no Jornal Pequeno, em 1999, onde já trabalhava, e logo nos tornamos amigos. Durante quase duas décadas, trabalhamos e trocamos ideias.
ResponderExcluirÉ uma ausência que nos torna menores na grande família JP.
Texto emocionante que toca até quem não conheceu TV RIbeiro, como é o meu caso. Reitero: artigo exemplar.
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