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AS PORTAS FUGAZES DE RODRIGO C. PEREIRA


 


Às vezes começo a pensar: “quantos alunos será que já tive nessas quase três décadas ininterruptas de atividade docente?” A resposta é sempre a mesma: “Não sei”. Calculo que, tenham sido aproximadamente uns 40 a 50 mil, somando-se ensino fundamental, médio, superior, pré-vestibulares e pós-graduação. Mas, sinceramente não sei.

Mas a quantidade sem sempre é o mais importante. Bom é todas as noites, depois de um dia árduo de trabalho, poder deitar-me com a consciência tranquila de haver tentado fazer o possível para que cada um dos alunos daquele dia tivessem a melhor aula possível e que os conhecimentos compartilhados fossem úteis para o futuro daqueles jovens e adultos que tentavam aprender, às vezes diante de múltiplas adversidades.

Nessas lides diárias com a Educação, há os alunos e alunas que passam pela sala de aula e que tomam destino ignorado, mas também existem aqueles que rompem a esfera da relação docente/discente e passam a fazer parte dos círculos de amizade e, mesmo muitas vezes distantes fisicamente, constantemente deixam recados e compartilham seus momentos de vitória, às vezes também de dores e sofrimentos.

Confesso que fico imensamente feliz quando recebo a notícia de que um ex-aluno ou ex-aluna conseguiu trilhar os caminhos do sucesso na profissão que abraçou e que vem se tornando uma referência entre seus pares. Da mesma forma, entristeço quando recebo notícias de que aquelas criaturas que conheci em sala de aula cometeram algum grave deslize na vida ou, como vem ocorrendo muito ultimamente, terminou sua trajetória nessa finita jornada da vida.

Mas voltando à felicidade, foi com esse sentimento que recebi a notícia de que um de meus mais brilhantes e educados alunos acabava de publicar seu livro de estreia. Logo veio-me à lembrança aquele rapazinho cheio de leituras e que adorava conversar sobre a literatura e seus autores. Seu nome – Rodrigo Cardoso Pereira. Hoje, professor Rodrigo, mestre Rodrigo, poeta e prosador Rodrigo C. Pereira, um dos bons nomes dessa nossa nova safra de homens e mulheres dedicados às letras em nosso Brasil.

Em um momento em que as condições de saúde não me permitiam fixar a vista nas páginas de um livro, jornal, celular ou computador, recebi pelos correios um exemplar de As portas fugazes (Ediitora In-Quadro, 2019, 144 páginas). Naquele momento, tive de contentar-me em ler a carinhosa dedicatória, entrar em contato com o sumário, com o texto de contracapa assinado pelo amigo e professor Rafael Campos Quevedo e torcer para um dia poder ler aquele trabalho.

Apenas recentemente, quando finalmente pude deleitar-me com os 16 contos do livro, vi que a apresentação é de autoria de um outro aluno por quem sempre nutri grande estima: o cônsul-adjunto do Brasil em Portugal, ensaísta, poeta e pensador Frederico Oliveira de Araújo.

Rodrigo Pereira sempre escreveu bem. Era cuidadoso e crítico tanto em suas leituras quanto na produção de seus textos. Era o tipo de aluno que sempre ia além das aulas ministradas pelos professores e buscava novas referências para solidificar os conhecimentos adquiridos. Leitor dos clássicos universais, absorveu para si um estilo sóbrio e que enfatiza arquétipos e estruturas humanas na formação de suas personagens.

Em todos os contos de As portas fugazes, o leitor encontrará uma prosa bem articulada e que não abre concessões para modismos efêmeros ou para soluções literárias sem profundidade estética. A leitura de seus textos passa a impressão de que o autor constrói e reconstrói cada parágrafo de seus textos em busca dos termos mais exatos, enxutos, concisos e seguros para representar suas ideias no papel.

A preocupação do autor não é apenas “contar uma história” com começo, meio e fim, mas sim trabalhar em cada conto a construção de personagens, cenários e estruturas que estejam em total acordo (ou desacordo) com as expectativas iniciais. Geralmente as narrativas de Rodrigo C. Cardoso partem do factível e descambam para o inusitado as ações e reações humanas dentro de situações que parecem corriqueiras, mas que desafiam o leitor na busca do que está imiscuído nas entrelinhas da narrativa.

Nesse livro, as cruezas de uma realidade ficcional caminham lado a lado com as sutilezas poéticas de uma linguagem que valoriza o todo sem deixar de lado a importância de cada parte do texto. Não é à toa que o conto que dá título ao livro encontra-se no final do volume. As portas se abrem e se fecham no final, quando o leitor já se sente sufocado pelo contato direto com Polida, Giganta, Lúcio Feres, Joaquim Fonseca de Nenhuns, Maria, Uribe, Ana e tantas outras personagens que incomodam o leitor mais desatento e encantam quem gosta de uma narrativa que foge ao convencional.

Cada conto do livro As portas fugazes deve ser lido com calma, sem pressa e precipitações rasteiras. As personagens, de alguma forma, conduzem o leitor por um emaranhado de situações nas quais se destaca a necessidade de buscar-se uma saída a fim de que não se perca nos problemas íntimos desses seres de papel que em muitos pontos simbolizam e representam pessoas de carne e osso com quem convivemos. Porém, nem sempre, no dia a dia, podemos contar com essas portas fugazes que podem salvar ou conduzir a outros compartimentos da essência humana com os quais nem todos conseguem conviver.

Fico feliz em poder ler o livro de Rodrigo C. Pereira e de saber que os amantes das letras ainda ouvirão seu nome por muito tempo, pois ele já anuncia que veio para ficar. As portas de entrada desse jovem escritor no mundo das publicações  podem até ser fugazes, mas seu talento é sólido e dará outros bons frutos.

 

José Neres escreve às segundas-feiras para o Textual.


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