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A ALEGRIA DO SILÊNCIO 



Num mundo povoado de estímulos audiovisuais, distrações e barulhos, é cada vez mais raro encontrar quem se volte a uma prática de imensa simplicidade, quase esquecida pelas pessoas de nosso tempo: a experiência do silêncio.

Se nos perguntássemos agora o quanto do tempo de nossas vidas dedicamos à nossa interioridade, às reflexões mais íntimas, à meditação feita na paz de um cuidado, a maioria certamente responderia que muito pouco ou quase nada. Mas, afinal, o que há de tão importante na cultura do silêncio? Que benefícios pode nos trazer o mergulho nas profundezas dessa disposição vivencial?

Em tempos de furiosa confusão de imagens, sons e ideias desconexas, numa civilização pautada no que é “novo”, efêmero e fugidio, o ritmo acelerado de nossas existências é preenchido com toda espécie de coisas (menos as fundamentais). Algumas necessárias e quase obrigatórias, outras totalmente dispensáveis e até mesmo sem sentido.

Na sociedade da informação massificada, polarizada em discussões odiosas em torno da política e suas ideologias, fundada na objetividade hipermoderna, na velocidade e no cansaço, no pragmatismo e no padrão universal de comportamentos guiados por necessidades artificiais, forjadas na base de um mundo de fazeres e afazeres, distrações e construtos direcionados ao consumo rápido e rasteiro, a vida silenciosa da interioridade é um tema excluído do rol de interesses de nossa mais exacerbada mundanidade.

Pelo contrário, é o destaque frenético do(s) barulho(s) que verdadeiramente impera. Do som dos artefatos externos aos nossos corpos e do pensamento (acelerado) que transborda no verborrágico.

Os muitos sons que nos cercam dão prova disso. As vociferações radiofônico-televisivas, o palavrório sem fim das futilidades midiáticas, das redes (anti)sociais, de quem só fala e não ouve, dos que só escrevem e não leem, a massiva urgência de novos e mais estrondosos meios de chamar atenção (e para isso os megafones, as poderosas estruturas sonoras, etc.), os paredões das radiolas, das pick-ups dos playboys sertanejos e a música feita e consumida por gente com déficit de sensibilidade estética povoam nossos ouvidos fragilizados.

Decibéis de ruídos citadinos são produzidos no desassossego dos ambientes privados ou públicos, nas ruas, praças e centros de circulação de pessoas. Com isso, paulatinamente, vamos sendo dragados para dentro de um caos de sonidos no envoltório do cotidiano. Pouco a pouco, somos vencidos, entregamos nossas almas. Pouco a pouco, também, nos esquecemos de cultivar os instantes de solidão positiva, de paz amena. Instantes nos quais deveríamos nos devotar ao exercício pleno de um silêncio necessário.

Pois é na serenidade do silêncio que buscamos o reencontro com nossa essência, nossa verdade última. É no íntimo de uma prece sem palavras, de um canto sem frases, de uma música sem melodia, de uma reflexão sem arroubos de tagarelices, que podemos fazer brotar os segredos perdidos, blindar a mente da loucura e da angústia das relações extenuantes.

As culturas ancestrais, as escolas de mistérios, as seitas iniciáticas, as grandes filosofias do Oriente, as religiões primitivas e os mestres sapienciais, há muito nos ensinam a importância do saber calar-se, do não dizer, do mover-se para dentro, com ouvidos plenos ao que está para além do plano dos meros fenômenos.

Os monastérios, como lugares de profundo burilar da interioridade, calcados sobretudo no silêncio dos que oram e laboram. A calma imensa dos claustros, a paz intensa dos vastos campos, dos desertos, dos cemitérios, dos templos vazios, a nos conduzir a uma viagem interior, reflexiva, de um intenso desvendar de saberes, de um descortinar de véus, ideias, visões.

Só a prática silenciosa de uma escuta atenta pode nos conectar com o universo que existe dentro e fora de nós.

A meditação silente nos treina para a profundidade dos sentidos não lidos e não expressos na linguagem ensurdecedora dos ruídos do dia a dia, que destroem os raros momentos de contemplação. A distração contemporânea de uma vida voltada aos barulhos nos tolhe de experimentar o gosto de uma paz constantemente negligenciada.

Até mesmo os que oram, nestes tempos de estridência, preferem os brados ecoantes das igrejas abarrotadas ao sossego de uma prece muda, porém sincera, intensa, introspectiva, feita no recesso de um quarto, em consonância com as mais puras vibrações divinas.

Enfim, o ato do silêncio (sua procura, seu existir) está na gênese de toda questão, no âmago de todo espanto, no brotar de cada acontecimento.

Grandes ideias surgiram do pensamento que escutava apenas seus próprios sussurros. Os iluminados atingiram a perfeição que buscavam justo nas longas jornadas ao centro de seus íntimos temores, de suas dúvidas, seus anseios e aspirações.

O silêncio tem sempre algo a nos dizer. Traz em si muitos ensinamentos. Equilibra, harmoniza e potencializa nossas capacidades. Energiza nosso ser. Vincula-nos a algo maior e sagrado.

Não custa nada experimentar alguns momentos dessa paz. Reservar instantes para calar as palavras em nossos pensamentos. Desfrutar, sem pressa, da viagem que nenhuma agência pode ofertar.

Por isso, faço um apelo aos que ainda podem ouvir. Em meio ao triste caos contemporâneo, mergulhemos na alegria do silêncio.

 

Rogério Rocha escreve às sextas-feiras para o Textual.

Comentários

  1. Texto com uma marcante evolução poetica e que nos leva a refletir sobre como, no turbilhão de nossas ações diárias, deixamos passar despercebido as lições benfazejas da introspeção no nosso crescimento espiritual.

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