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QUE OS MORTOS NÃO ME OUÇAM

 


O filme Sociedade dos Poetas Mortos (Dead Poets Society), do diretor Peter Weir, lançado no ano de 1989, transformou-se rapidamente num clássico do cinema. Há várias razões para isso, dentre elas o excelente roteiro, uma leva de jovens atores, a direção certeira de Weir e a presença do ator Robin Williams no papel do professor John Keating, em uma de suas melhores atuações na tela grande.

Ambientado em 1959, na Welton Academy, o drama é inspirado na história do professor Samuel Pickering e nas bases de sua prática pedagógica inovadora.

Contratado para lecionar a disciplina de Literatura, Mr. Keating mostra ao que veio logo em seu primeiro contato com a turma. Nele apresenta sua figura emblemática e um método de ensino incomum. E, pasmem, faz isso dentro da estrutura de uma escola tradicional, em que estudam filhos de famílias abastadas e cujo corpo docente é formado, em sua quase totalidade, por educadores à moda antiga, habituados aos esquemas didáticos rígidos e repetitivos.

Assim que encontra sua classe, Keating adentra a sala sorridente para, em seguida, dirigir-se até a porta, convidando os alunos a seguirem-no até um outro ambiente. Rompendo com as estruturas do ensino verticalizado (aquele no qual o mestre fala e os alunos só ouvem), o novo professor apresenta aos jovens o poema metafórico de Walt Whitman “O Captain! My Captain”, feito em homenagem a Abraham Lincoln e aqui reproduzido na força de sua primeira estrofe.

O Captain! my Captain! Our fearful trip is done;
The ship has weathered every rack, the prize we sought is won;
The port is near, the bells I hear, the people all exulting,
While follow eyes the steady keel, the vessel grim and daring:
But O heart! heart! heart! O the bleeding drops of red, Where on the deck my Captain lies, Fallen cold and dead.

Ex-aluno da mesma instituição, o instigante Keating apresenta-lhes também a noção do Carpe Diem (extraído às Odes de Horácio), um verdadeiro leitmotiv de sua pedagogia, exultando a necessidade de se viver o instante e aproveitar o momento fugaz.

Num processo de sedução construído com a alegria do viver, o educador-poeta liberta seus alunos das amarras do conformismo, abrindo-lhes as portas da percepção do belo e da busca apaixonada pelo saber.

Ensina-lhes o que não é perguntado nos testes, o que não vale nota e não reprova. Leva-lhes a refletir sobre o mundo, a vida, seus aprendizados, sobre a literatura e seu fazer real, forjado na marcha dos dias, dos prazeres e das dores. Estimula-os a descobrir novos olhares, a trilhar outros caminhos, a romper com a doutrina dos livros seguidos por seus velhos professores.

Demonstrando ousadia, pede aos alunos que arranquem páginas de um livro obsoleto enquanto sobe na mesa para mostrar-lhes como podemos olhar as coisas por um novo ângulo.

O espanto causado pela forma nada ortodoxa de ensino e as novas rotinas pautadas pelo educador terminam por envolver toda a turma. Ademais, a figura empática do professor Keating toca o coração daqueles jovens ao devotar a eles uma atenção genuína, preocupando-se em extrair de cada um o seu melhor.

Revendo a película, e revivendo as emoções que ela me causa, questiono-me, ainda hoje, sobre o real sentido da educação, sobre as motivações que levam os verdadeiros professores a conduzir mentes e destinos ao aprendizado significativo. Evidentemente, apoio-me na realidade nada cinematográfica para perceber que atores sociais como o representado por Robin Willians, no papel de professor, sempre foram (e continuam a ser) a exceção.

Mestres fora do comum são geralmente rechaçados, vistos como excêntricos, estranhos, esquisitos. A escola não está preparada para eles. Razão pela qual suscitam, ainda, muito mais desconfiança do que aceitação, chegando, por vezes, ao cúmulo de os alunos preferirem professores medianos àqueles capazes de fazê-los despertar de seus estados de apatia.

Enquanto isso, nas universidades e no ensino médio, há professores e professoras que lecionam ‘literatura’ do mesmo jeito que ensinavam quando ingressaram no magistério. Com aulas engessadas, conseguem o supremo feito de tornarem pouco interessante uma das matérias mais imaginativas da grade curricular.

Mestres e mestras que preferem optar pelo cientificismo planificado das ementas a terem de buscar conhecer quem são os alunos de carne e osso que sentarão para vê-los e ouvi-los ministrarem sua disciplina.

É verdade, entretanto, que há também alunos pálidos, sem lugar no mundo. Que habitam as aulas com seus corpos pasmados e olhares perdidos. Sem compromisso com nada, sequer com eles mesmos. O que nos leva a indagar: como chegaram a esse ponto? Já eram assim ou tornaram-se isso ao longo de suas vidas? São frutos de professores ruins e escolas piores? Ou crias de um universo familiar pobre de espírito? Deixo no vácuo as respostas.

Voltando, entretanto, ao filme, marco da cinematografia acerca da figura dos grandes professores, vemos, em seu desfecho, que tudo valeu a pena. Apesar das perdas, das tragédias, do sofrimento libertador, pessoas e vidas foram transformadas. E a semente da inquietação, de quem busca com amor o seu verdadeiro destino, enfim foi plantada.

Mesmo na despedida, com a demissão do mestre, percebe-se que seus alunos já não eram os mesmos. Eram outros, mais ávidos, sagazes, melhorados. O professor, aliás, mostrou-se também um capitão. Um capitão da sensibilidade: “Oh Capitão, meu Capitão”

Quanto a vocês, não sei, mas para mim ficaram evidenciadas pelo menos duas lições: a primeira, de que não há maior recompensa do que a que brota da riqueza das almas agraciadas com a descoberta autônoma de suas próprias verdades; a segunda, de que nenhum método avaliativo supera as reflexões vivenciadas na dinâmica das vidas reais, que se entrelaçam na sede do saber. E que os mortos não me ouçam, mas parece haver mais graça em aprender com os arroubos criativos de Mr. Keating e a força poética de Walt Whitman do que com as pregações cansativas de alguns mestres da repetição.

 

Rogério Rocha escreve às sextas-feiras para o Textual.

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