Textual
MEU NOME É IGOR
Meu nome é Igor. Assim
mesmo, sem o acento. Só depois soube que foi um erro do escrivão, que Igor, na
verdade, é escrito com acento (Ígor!!), puxando o som do I, porque é
paroxítona. Aprendi na oitava série. O escrivão que errou e ficou assim.
Foda-se! Não vou morrer por causa disso.
Vim parar aqui porque
minha mãe me trouxe. Me trouxe quase amarrado, não queria vir pra cá. Não
queria nem saber disso. Mas minha mãe disse que era pro meu bem, que eu ficaria
melhor aqui. Tentou me convencer. Mas eu não quis ser convencido. Tentou me
trazer me ameaçando. Não resolveu também. Daí ela chamou aquele vizinho, que me
jogou dentro do táxi e veio comigo até aqui, segurando meu braço. Um leproso.
Doido pra comer a minha mãe, só por isso fez esse esforço todo. Podia ter dado
um soco na cara dele, quando me soltou aqui dentro. Mas não dei. Já foi.
Aqui não é tão ruim.
Depois de um tempo, a gente se acostuma. Tem umas coisas legais, sim. Tem a
música, que eu gosto. Toda semana tem música. A gente canta, toca umas coisas e
se diverte. A gente aprende a cantar junto. Isso é legal. Tem também os
passeios pela cidade, quando a gente sai de van, conhecendo os lugares e as
histórias dos lugares. Tem o dia do lanche, que a gente faz lanche na cozinha e
come tudo junto. Tem também os filmes que a gente vê.
Não sei quanto tempo já
estou aqui. Aqui dentro a gente perde a noção do tempo. Já passou fevereiro?
Quando vim pra cá, era antes do carnaval. Mas o baile de carnaval daqui já passou.
Parece que já passou faz um tempão. Será que já é junho ou julho? Quando mamãe
ligar de novo, vou perguntar.
Ontem chegou uma menina
nova, bem bonita. A mãe que trouxe. Mas não veio gritando que nem eu, não. Veio
toda quietinha, acho que tava com a cara cheia de injeção pra dormir, porque
parece que vinha carregada. Um dia desses, eu converso com ela pra saber
melhor. É bem bonita. Espero que os caras daqui não queiram mexer com ela. A
gente fica sabendo de muita coisa feia que eles fazem por aqui. Né?
Mamãe, quando ligar,
acho que vai me dizer o dia que eu vou sair. Acho que já tou bem melhor. Não
penso mais em me cortar. Não penso mais em meter a cabeça no tanque de água.
Não tenho mais vontade de me morder nem de me encher de comprimidos, como
antes. Nem me arranho mais. Os remédios são bem legais, fazem efeito. Só me
deixam meio lerdo, com muita vontade de dormir. Mas quando tem atividade, eu
fico esperto.
Semana que vem, o
doutor vem de novo. Acho que ele vem antes de mamãe chegar. Vou perguntar pra
ele se eu já posso ir. Se ele disser que não, vou tentar ficar calmo e não
pensar em besteira. Ele sabe melhor do que eu a hora de eu sair daqui.
Quero ir pra casa. Aqui
é bom, deve ser caro ficar aqui, nem sei como mamãe tá podendo pagar. Quero
sair daqui pra não dar mais essa despesa pra ela.
Quando eu sair, vou
fazer tudo certo agora. Mamãe vai ver. Nunca mais vai precisar me trazer
arrastado pra cá. Nunca mais vai ter que esconder as tesouras.
Espero que mamãe não
tenha dado praquele vizinho só porque ele fez o favor pra ela me segurando até
aqui.
Quando eu sair daqui, volto um dia, mas só pra te visitar, Denise. Ok?
Marcos
Fábio Belo Matos escreve às terças-feiras para o
Textual.
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