Textual
UMA TRILHA SONORA DO AMOR
Não lembro se isso
aconteceu sábado (todo sábado era assim), em um dia de domingo. Mas sei que foi
em um dia em que a terra parou.
Ele estava lá. Era a
mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores, o mesmo jardim. Tudo estava igual
e ele estava triste. “Tudo está no seu lugar, graças a Deus” – pensou. Um carro
vermelho passou a cento e vinte por hora, e uma brasília amarela estacionou.
Ela parece que estava à
tona na vida, chegou em frente ao portão. Não entrou. Aquela rua não é mais a
mesma rua... A placa indicava: “Vende-se esta casa ao primeiro que chegar”.
Ele não a conhecia. Mas
não pôde deixar de admirá-la. Seu pensamento começou a voar, voar, subir,
subir: “Que coisa mais linda, mais cheia de graça”. Tinha que falar com ela.
- Olá, como vai?
- Vou indo. E você?
Tudo bem?
- Dona, desculpe, mas,
você é linda, mais que demais. Você é meiga demais. Por você sou capaz de roubar
até a lua.
Ela sorriu
- Sou apenas um rapaz
latino-americano, sem dinheiro no banco. Mas não sou vagabundo, não sou
delinquente, sou um cara carente. Sou uma espécie de gavião vadio sob o sol.
- Confesso que ainda
sou uma garotinha. Você é bonito. É um negão de tirar o chapéu, mas não vou dar
mole, senão... E você deve ter mulheres de todas as cores, de várias idades, de
muitos amores... Ainda lembra sua primeira namorada? Já que a primeira namorada
é difícil de esquecer...
- A primeira foi
Iracema, mas ela morreu atropelada, dela não sobrou nem mesmo um retrato.
- E as outras?
- Teve a Jéssica, que
eu encontrei ela no Tinder, mas não durou muito. De Conceição eu me lembro
muito bem. A Amélia, que se considerava uma mulher de verdade. A Madalena, que
acreditava que o mar é uma gota comparado aos prantos seus. Lembro da Jéssica,
que se achava a coisa mais linda que Deus soube fazer. A Eva, que desapareceu,
até parece que fugiu numa última astronave.
Uma cigana muito bonita de cabelos muito negros chamada Sandra Rosa
Madalena. A Ana Júlia, que hoje trabalha como secretária na beira do cais. E a
Leydiane, que jurou que ia me amar de janeiro a janeiro, até o mundo acabar,
mas me traiu e foi viver em um cabaré. A
todas amei como se não houvesse amanhã. Mas descobri que o pra sempre sempre
acaba. Eu não sou cachorro não. Acho que sou inútil, mas espero o segundo sol
chegar, para realinhar as órbitas do planeta.
- Hummm!!! Mulher nova,
bonita e carinhosa, faz o homem gemer sem sentir dor. Eu gosto de ser mulher.
- Qual seu nome?
- Beth
- E você? Pode falar de
seus amores”
- Não foram tantos
assim. Teve o meu amigo Pedro, que acabou provando que tudo acaba como começou.
O inseguro José, que vivia perguntando “e agora?”. Com ele foi rápido, logo a
festa acabou, a luz apagou... O Manuel foi pro céu, ele era um moreno alto,
bonito e sensual... Gostava muito dele. Acabei procurando auxílio profissional.
Aí um analista amigo meu disse que desse jeito não vou ser feliz direito.
Deixou claro que tudo passa, tudo passará. Solitária, pensei até em rifar meu
coração, fazer um leilão, vendê-lo a quem der mais. Acho que sou uma mulher de
fases.
Ela começou a chorar.
Ele tentou abraçá-la. Mas foi surpreendido com uma frase:
- Tire sua mão de mim,
eu não pertenço a você.
- Calma, Beth, Calma.
- Não vou chorar
lágrimas de crocodilo. Preciso de uma verdade chinesa
- Linda, só você me
fascina, te desejo, muito além do prazer.
- Quero viver seguindo
a receita da vida normal... Viver e não ter vergonha de ser feliz. Quero ir
para onde Deus possa me ouvir...
- Tu és divina e
graciosa, estátua majestosa do amor. Beija-me muito, como se fosse essa noite a
última vez. Fica comigo esta noite e não te arrependerás.
Ela parou, olhou para
ele e disse:
- Uhhhh, eu quero você
como eu quero... Você me deixa louca...
(...)
Eu juro por mim mesmo,
por Deus, por meu pai, que queria saber como acabou aquela história de amor.
Mas, de repente, o telefone toca, avisando que é chegada a hora de ir. Tenho
pressa. Vou de táxi.
Fui embora, caminhando
e cantando e seguindo a canção. Torço por aquele rapaz que parece que também
amava os Beatles e os Rolling Stones. Ele era um vagabundo como eu, que também
merece ser feliz.
José Neres escreve às segundas-feiras para o Textual.
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