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QUÍMICA E POESIA: REAÇÃO PERFEITA

 

A Ildenice Monteiro, Odair Monteiro, Rogério Teles, Emanuel Gomes e Joel Praseres, professores de química e de vida.

 

Na escola tradicionalmente nos ensinam que poesia e química são duas disciplinas distantes entre si, com métodos de ensino e de aprendizagem totalmente diferentes e que não se cruzam nos meandros dos labirintos curriculares. No entanto, a vida nos mostra a todo momento que tanto uma quanto outra estão em toda parte. São ciências, são artes que se tocam, podem se amar e até mesmo reproduzirem, quando são cultivadas em um terreno propício para ambas.

Muitas pessoas acreditam que quem mergulha no universo das chamadas ciências exatas acaba perdendo a sensibilidade poética e se contenta com fórmulas, números e tabelas. Mas não é bem assim, conforme pode ser visto em um rápido passar de olhos pela biografia de intelectuais que produziram bons trabalhos tanto nas ciências quanto nas artes.

Escritores de altíssimo nível literário como, por exemplo, Johann Wolfgang Von Goethe (Alemanha), António Gedeão (Portugal) e Augusto dos Anjos (Brasil) mesclaram seus textos poéticos com a essência aparentemente sáfara de termos científico. Dessa forma, ficou mais suave descobrir que somos filhos “do carbono e do amoníaco” e que, não importando a etnia, a lágrima do ser humano em geral é composta de “água (quase tudo) e cloreto de sódio”.

Foi esse também o caminho trilhado pela professora e escritora Silvana Lourença de Meneses, que é graduada em Química Industrial (UFC), com mestrado em Educação (IPLAC-Cuba) e doutorado em Zootecnia (UNESP). Porém dentro deste invejável currículo recheado de termos científicos sempre houve espaço também para muitas imersões no mundo da poesia. Alternando tubos de ensaio com a leveza da pena, essa escritora caxiense deu vida a “Embarcações” (1988), “A olho nu” (1992), “Impressões” (1985), “Outras palavras” (2005), “Estação poesia” (2008), “Reação” (2014) e “O intenso instante” (2017), além de algumas obras inéditas.

No entanto, é em seu livro “Reação” (UEMA/FAPEMA, 2014, 130 páginas, com ilustrações de Jesus Santos) que essa alquimista de palavras aproveita para entrelaçar química e poesia em busca de formulações estéticas que levem o leitor a sentir a beleza que emana dessas duas maravilhosas forças que sempre ajudaram o ser humano a viver e a sonhar.

Logo no início do livro, alguns poemas sintetizam a relação da autora com esses dois mundos que se completam:

 

eu + química + poesia = > reação

 

A certeza da efemeridade da vida, que é um dos temas recorrentes na poesia de Silvana Meneses, é (re)formulada nesse livro a partir da constatação de que “do carbono eu vim e ao carbono voltarei”. Mas antes do inevitável retorno às origens, é preciso decidir sobre quais os caminhos serão trilhados nesse nosso terreno tão instável e cheio de incertezas. Então, novamente as mesclas que regem a vida se fizeram audíveis na consciência da escritora, ao declarar que:

 

na química me encontrei

na poesia me dissolvi

em tanta reação aconteci

 

não tem retorno

não é engodo

É PURO ELIXIR.

 

Desse amálgama entre poesia e química, nascem momentos que remetem a questionamentos existenciais e às inquietantes disparidades sociais. Fica-se sabendo, por exemplo que:

 

o mar é salgado

a lágrima é salgada

o alimento é salgado

o suor é salgado

o preço é salgado.

 

Além do valor poético, o livro traz também incrustrado em sim uma carga de didatismo que pode ser utilizado inclusive em sala de aula por algum profissional da educação que se proponha a tentar romper com as barreiras e limites impostos pela teoria da separação das disciplinas em compartimentos estanques e incomunicantes entre si. É possível, por exemplo, unir diversos conhecimentos e levar o educando de todas as idades, níveis e modalidades a perceberem a relação existente entre a ingestão de nutrientes, a saúde humana e as consequências da carência de cada elemento na dieta cotidiana, conforme pode ser visto nos fragmentos abaixo:

 

sem ferro

anemia

cara pálida

(...)

sem iodo

memória fraca

vida que não retém nada

(...)

sem potássio

fadiga

presa fácil.

 

O mais importante nesse livro de Silvana Lourença de Meneses é que cada página pode ser aproveitada tanto por quem tem domínio da nomenclatura técnica da química quanto por quem nem mesmo possui os rudimentos básicos dessa ciência. O livro também pode ser aproveitado em sua integridade por aquelas pessoas que pensam que nada sabem de poesia, como também por quem se julga expert na leitura de poemas. Trata-se de um livro democrático feito para todos que queiram conhecer essa mistura tão bela e que pode ativar emoções diversas no corpo e na alma de quem se descobre dia a dia como uma usina de reações químicas, emocionais e poéticas. Afinal de contas:

 

rolou uma química 

ela me conhecia

 

perguntei sua graça

ela disse poesia.

 

José Neres escreve às segundas-feiras para o Textual.

Comentários

  1. Belo texto do Poeta e amigo José Neres.

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  2. Admirável poeta, Silvana Menezes, que Neres nos traz em sua linguagem clara e precisa.

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