Textual
O
ENCONTRO DO NOVO COM O VELHO NORMAL
O encontro do Novo com
o Velho Normal não se deu em uma live como queria o Novo Normal. Aconteceu em seu
próprio escritório. Velho Normal chegou sem se anunciar. De repente, estava no
meio do recinto. Novo Normal agiu como se o esperasse.
- Desembuche Velho
Normal, o que quer de mim?
- Você estava me
esperando?
- Sim, mais dia menos
dia era normal que você viesse.
- Normal? Nesse caso
seria o Normal novo, ou o Velho?
- Poupe seu sarcasmo,
Velho Normal. Vamos lá, diga logo a que veio, embora você deva saber melhor do
que ninguém que você já foi e não sabe. Se veio para tirar satisfações porque estão
anunciando que irei substituí-lo saiba que não tenho culpa nisso. A culpa foi
da Pandemia.
- A Pandemia, sempre
ela!...Virou desculpa para tudo, hoje em dia. Se matam mulheres, a culpa é da
Pandemia. Se matam morcegos, foi a
Pandemia. Se se tornam doidos varridos, a Pandemia está por trás. Se a
corrupção impera é a Pandemia, se abandonam os idosos é a Pandemia. Não é de espantar que queiram acabar com a
única coisa que sempre foi normal no mundo, EU.
- Sei aonde quer
chegar. Que minha existência é um blefe. Que também só apareci por causa da
Pandemia.
- Claro e evidente. Você
melhor do que ninguém sabe que nada de novo existe em você que o distinga de
mim. O ser humano é o mesmo há milhões de anos. Que há de novo em médicos
mandaram as pessoas para casa? Que há de novo em se usar máscaras? Se todos os humanos
sempre usaram máscaras porque todos são atores disfarçados de si mesmos, estejam
com panos cobrindo suas focinheiras ou não... Que há de novo no exibicionismo das lives, que é só uma
disputa para que cada um se sinta bem, aparecendo mais que o outro? Que há de
novo na mentira da mudança do comportamento humano? Que há de novo no medo da morte, sempre o
mesmo, a comandar as ações humanas? Que há de novo em cientistas promovendo o
pânico por não oferecerem alternativas? Nunca houve nada de novo sob o sol
entre os humanos, você é consciente disso.
- Sim, sei disso perfeitamente.
Duvido até que eu seja novo. Na realidade, me chamam de Novo, mas talvez seja
mais velho até que você porque sou da idade da hipocrisia humana. Acontece que
os homens precisam disso: de substituírem o nada pelo nada, a sobrevivência
pela sobrevivência, a morte de sempre por outra morte, mas eu tenho que me prestar a isso, preciso cumprir o meu papel.
Fazer o quê?
- Vejo que não perdi
meu tempo vindo até aqui. Ouvir de você
essa confissão já é alguma coisa. É preciso, então que você comunique ao mundo
a farsa que você é. É preciso lhes dizer que tudo continuará igual e eles
continuarão se matando e se esgoelando por causa de bobagens para todo o
sempre.
- E o que você ganharia
com isso, Velho Normal? Os homens jamais gostaram de verdades. Eles acreditam
em mentiras, não porque não saibam que
são mentiras, mas porque precisam delas. Os homens não carecem de verdades, mas de
ilusões e eu serei a ilusão da vez. Acredite: o melhor para você é jogar o jogo
deles, se aposente, se recolha, ou pegue um Covide e morra. Eles só querem
acreditar que sairão novos depois disso. Deixemos que acreditem.
José Ewerton Neto escreve às quintas-feiras para o Textual.
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