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 MIMI, O METALÚRGICO

 


Reproduzo este texto do jornal A Carepa, da Faculdade de Engenharia Metalúrgica  da UFFRJ, Volta Redonda, escrito por mim há vários  anos quando nos formamos, e que andava extraviado. Trata-se de uma crônica, em tom jocoso, sobre a vida de um metalurgista, usando termos do cotidiano siderúrgico.   

 

MIMI, o metalúrgico, é um rapaz muito esquisito. Sem cor definida ( terá  entrado fumaça em sua pele?) passa nas ruas indo ou vindo do trabalho, como um objeto- muito- identificado. É MIMI, o metalúrgico.

A sua cabeça, de tanto carregar um capacete, tomou a forma deste, de forma que onde se viam olhos, boca, nariz hoje se vê, com mais perfeição, as letras CSN. Os  seus membros, tão desconjuntados, parece que se mantêm aderidos ao tronco, graças a uma inevitável ‘soldagem’, e seu tronco terá sofrido uma ‘trefilação”, posto que tão magro que dá pena. Enfim, quem olha MIMI diz imediatamente: precisa de urgente tratamento.

MIMI já havia pensado nisso e preferiu o ‘tratamento térmico’ ao ‘tratamento de minérios’. Consta que o médico ao olhar seu aspecto abatido teria dito: - MImi, o que está havendo, rapaz? A tua ‘dureza’ está baixíssima! Você está longe de parecer um homem de ‘têmpera’.

Todos sabem que no tratamento dos aços o remédio para aumentar a dureza é um aquecimento a alta temperatura, seguido de um resfriamento  brusco. Mas MIMI, coitado, não é aço,  e se bem que sujeito a sintomas parecidos como ‘envelhecimento’ e ‘corrosão’, no seu caso a corrosão se dá de dentro para fora, devido a ação contínua e insaciável dos vermes. Donde a pergunta: “Teria o ingênuo MIMI entendido mal a receita?”

O certo é que MIMI enchia-se de cachaça no bar da esquina – era o aquecimento, e depois se esquecia nas calçadas em pleno frio do inverno – era o resfriamento brusco. O que fez com que os médicos  diagnosticassem: “Ele está desenganado, já ultrapassou o ‘limite elástico’,  sua inteligência está em fase de ‘escoamento’  e em pouco tempo o coitado entrará em fase de ‘ruptura’.

Causa dó lembrar de que, um dia, MIMI sonhou ser deputado ou senador, como todo jovem. O destino, como se sabe, faz muitas curvas, só que, no seu caso, foram curvas demais: ‘curvas de Boudouard’curvas TTT’ ‘curvas de equilíbrio’. Era  inevitável que acabasse encurvado.

Pensando friamente, forçoso é reconhecer que MIMI foi cúmplice de sua desastrosa situação. Senão vejamos: casou cedo e teve muitos filhos., não tendo feito ‘planejamento ou controle da produção’. Seus  filhos se saíram ingratos e perdulários  - faltou portanto ‘controle da qualidade’ A ligação com sua mulher, a princípio católica, degenerou, tornando-se o que se poderia chamar de ligação ‘co-valente’. Isto é, com valentia mútua. Poderia ter se convertido num grande personagem, mas renegou  o ‘Conversor Thomas’ e o ‘Conversor Bessemer’.

Hoje chora lágrimas sólidas que mais parecem ‘lingotes’. Seu  coração se ‘funde’ em copiosas mágoas e, de tanta febre, seu peito virou um ‘auto-forno’. Pelo visto terá de continuar para  o resto de sua vida ‘refratário’ aos sucessos e  ao dinheiro. Poderia ter reagido,  mas onde estava  sua ‘energia livre de Gibbs’? Foi gasta com mulheres na rua

Mas a vida é assim mesmo, e quando chegar a hora de sua morte e para adaptá-lo ao caixão precisarem tosar seus  cabelos e ‘rebarbas’, como se fosse uma ‘usinagem’, ninguém lembre um ‘torno’, para não confundir com o que ele foi em vida.

 

José Ewerton Neto escreve às quintas-feiras para o Textual.

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