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MODA Vs. CLIMA                                                                                        

   


        

Nos escaninhos da minha memória, a figura do meu avô Henrique está sempre acompanhada do seu chapéu. Ir à rua de cabeça descoberta? Nem pensar. O homem empertigado, elegante no seu terno, e o chapéu bem posto formavam um conjunto indissociável. Muitos homens de sua geração cultivavam o hábito saudável de andar com a cabeça coberta protegendo o rosto dos malefícios do sol, mesmo após o uso corriqueiro dessa peça do vestuário ter saído de moda. No caso de vovô, a proteção se estendia a uma vasta e reluzente careca. Eu só não entendia porque os chapéus de feltro – lembro os da marca Ramenzoni - eram preferidos aos de palha italiana ou aos chamados panamás, furadinhos, se nosso sol, apesar da fartura dos ventos desta Ilha, sempre foi de fritar ovo em calçada em qualquer estação do ano.

 Para falar de inadequação vestuário/clima, precisamos nos remontar ao quesito desenvolvimento e saber que, no assunto, só são reconhecidas duas regiões no Brasil: o Norte-pau-de-arara e o Sul-maravilha. Nós, os do Norte, temos por hábito imitar as modas e os modismos do Rio de Janeiro, representante-mor do outro Brasil e ditador supremo dos nossos gostos e tendências. Não importa se lá faz frio e aqui calor. Se, no inverno carioca, estão na ordem do dia saias e coletes de couro, metemo-nos neles, nem que os ditos nos dêem um suadouro da gota. E as botas? É melhor nem comentar. Quando menina, presenciei, muitas vezes, meu pai envergando incríveis ternos de casimira inglesa – escuros, grossos e pesados. Só de olhar, eu já sentia calor. Perguntava, é quente, pai? Ele dizia, não filha, já estou acostumado. Mas nem tudo era estranho ao clima no seu vestuário, havia os ternos de linho branco irlandês, engomados no ferro de brasa, com estearina. E digo: eram os preferidos dele.

Vamos melhorando, mas ainda não chegamos ao requinte dos ingleses que, já no século XVIII, nas suas colônias de clima tropical, vestiam bermudas de algodão cáqui acompanhadas de camisas de manga curta e do indefectível chapéu de cortiça com aba larga, conjunto só estragado pelas ridículas meias três quartos, que lhes davam o aspecto  de escoteiros crescidos. Bem que o presidente Jânio Quadros tentou inovar adotando aquele terninho indiano, fresquinho – ele não era doido de todo. Mas não colou. Os jalecos não  estavam na moda em Paris ou Nova Iorque – o Sul-maravilha também macaqueia seus modelos.

Mas voltemos aos chapéus, cujo uso dizem estar novamente na crista da onda. Se pegar por aqui, vou adorar. Acho lindo. Além da proteção que oferecem, compõem o visual, enfeitam a mulher.

Lembro-me dos casamentos da minha infância, as mulheres empetecadas, de chapéu de abas largas, luvas até o cotovelo. Bonito. Havia um “sereno” á porta das igrejas, composto de curiosos para ver o verdadeiro desfile das elegantes. Os modelos  Jaques Fath, Cristian Dior, eram copiados da revista Vogue, distribuída sob encomenda por  seu Diniz, da loja Rianil, a clientes especiais, e confeccionados pelas mãos-de-fada das modistas da terra.

Mas tudo isso era apenas por bem da elegância. Ninguém pensava em proteção, câncer, envelhecimento precoce, essas coisas desagradáveis. Mesmo as sinhazinhas de antanho que usavam sombrinhas rendadas nos seus passeios, não pensavam nos malefícios do sol, mas apenas em não perderem a brancura da pele, essencial à estética da época.

Depois de endeusarmos o bronzeamento (o vale-tudo para obter o bronzeado perfeito ia da fritura no óleo Johnson com beterraba, ao óleo de amêndoas, passando pela coca cola), estamos em plena fase de paranoia antimelanoma, usamos protetor solar, óculos escuros, chapéus enormes, lenços, pasta d´água no nariz e o que mais vier. Pensem nisto tudo acrescido de máscara! A coisa é de tal monta que, assim disfarçados, não reconhecemos, nem somos reconhecidos ao cruzarmos, apressados, com os amigos nas caminhadas – outra paranóia contemporânea.       

Por tudo isso, repito, vou adorar a volta do chapéu, a todas as horas. Para dar um toque chique; para proteger a cútis; para evitar o descabelamento que sofremos com os ventos gerais; para não fugir ao hábito de imitar o Sul-maravilha. Que venham os chapéus.


Ceres Costa Fernandes escreve às quartas-feiras para o Textual. 

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