Textual
A BUNDA COMO PALAVRA
Vinte anos atrás circulou em
todo o Brasil a revista chamada BUNDAS, com conteúdo de humor político na linha
anteriormente seguida pelo famoso jornal O Pasquim, inclusive contando em sua
equipe com alguns jornalistas remanescentes do antológico semanário que marcou
época.
Há uma semana, surpreso e quase
completamente esquecido da mesma, resgatei alguns exemplares dessa revista num
sebo. Em uma de suas edições, a de número 48, deparei com uma matéria de Sérgio
Augusto, um de seus colaboradores, em
que este apontou a palavra Bunda como a mais bonita da língua portuguesa. E
explicou o motivo:
“Tenho para mim que quando
alguém me pede uma palavra bonita a escolha seja ditada mais pela eufonia do
que pela expressividade semântica. É o som e não o sentido, que embeleza ou
enfeia um vocábulo. Pelo menos os poetas deveriam saber disso. Alguns dos
nossos não sabem, daí o prestígio de vocábulos como liberdade, esperança e
democracia, entre os bardos da terra. Baudelaire e Joyce teriam ficado
horrorizados com essas escolhas. Para Baudelaire a palavra mais bonita da
língua francesa era hemorroides. Joyce preferia cuspidor que na língua dele
também significava escarradeira, mas que, evidentemente, soa mais agradável aos
ouvidos , quando pronunciada à irlandesa”
Quando encarei esse tema, neste
jornal, nos tempos do Hoje é dia de... argumentei de forma semelhante, porém fui
mais longe, sugerindo que as palavras, muitas vezes se rebelam ao significado que lhes impõem e
continuam belas ou feias independente da semântica em que foram inseridas . Em
defesa de minha tese me socorri do
definitivo – para mim – postulado do romancista francês Vítor Hugo: “ As palavras como se sabe são
seres vivos” A crônica intitulada ‘Com quem se parecem as palavras’ foi muito
solicitada então pelos leitores tendo
inclusive a sua frase final “ A palavra pássaro é um outro pássaro” sido
escolhida como epígrafe de um dos poemas do belo livro de Weliton Carvalho lançado
este ano Ócios do ofício. Isso me levou a
incluí-la no meu primeiro livro de
crônicas, O ABC bem humorado de São Luis, hoje em terceira edição.
Mas, seria a palavra Bunda efetivamente
merecedora do galardão de a mais bela, pelas
razões citadas? Lembro de que entre os
leitores que me mandaram mensagens na época houve aqueles que se deixavam levar pela semântica apontando Mãe, Coração
, Liberdade ou a própria palavra Bonita ( como foi a opinião do articulista amigo José Neumanne Pinto). Surgiram
vocábulos pleiteantes ao título entre aquelas cuja sonoridade se impõe à
rejeição natural do que traduzem, como Holocausto,
Lúcifer, Vândalo e Vendaval, como também aquelas nas quais o sentido e a
sonoridade se entrecruzam vitoriosos por terem a sua eufonia sintonizadas com a
sugestão de seus significados como Aurora, Paraíso, Harmonia, Vitória ou
Pássaro. Essas sairiam como favoritas numa competição porque não demandariam restrições de nenhuma ordem.
Quanto à palavra Bundas, podem
dizer tudo da mesma, menos de que seja feia, independente de não poder ser
citada com naturalidade nos ambientes e
nos discursos.
Assim como uma rosa é uma rosa é uma rosa, uma
bunda é uma bunda é uma bunda, possuindo ainda uma adicional peculiaridade
vitoriosa. Mesmo não sendo a mais bonita, é sempre bom lembrar que, nesta vida,
em qualquer lugar da fila em que alguém se ponha estará, certamente, atrás de uma.
José Ewerton Neto escreve às quintas-feiras para o Textual.
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