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 SETE PERGUNTAS PARA UMA DAMA

 


Ao completar mais uma festa de aniversário, conseguimos um horário exclusivo com a mais importante dama de nossa sociedade. Fomos bem recebidos em um de seus casarões castigados pelo tempo e, enquanto eram servidos bolinhos de tapioca e suco de cupuaçu, ela, aparentando bastante cansaço, nos falou um pouco de seu passado, de suas angústias e de suas alegrias. Eis a seguir a entrevista na íntegra.

PERGUNTA: Qual é realmente a sua origem?

RESPOSTA: Minha origem está coberta pelas névoas da dúvida. Eu e alguns de meus filhos já nos preocupamos muito com isso. Já disseram que sou de origem francesa, portuguesa... Mas hoje deixo essas questões para os estudiosos, pois acho que isso talvez não influencie tanto em meu atual estágio.

PERGUNTA: E qual é o seu estágio atual?

RESPOSTA: Eu me sinto abandonada há muito tempo. Isso não vem de agora, mas de muito tempo mesmo. Pela minha história, creio que mereceria um presente bem melhor que uma mera maquiagem e umas peças novas de roupa para esconder minhas mazelas. Mas parece que é só isso o que terei.

PERGUNTA: Fale um pouco de seu passado.

RESPOSTA: Passei por diversos momentos. Vivi em pobreza extrema na infância e depois, na juventude, conheci a opulência e a riqueza que fizeram de mim uma das mais importantes deste Brasil. Mas depois tudo declinou e acabei nessa decadência em que me acho agora.

 PERGUNTA: E de quem seria a culpa dessa decadência de que a senhora se queixa?

 RESPOSTA: É difícil pôr a culpa em alguém ou em alguma época específica. Mas não posso negar que meus bens foram muito mal administrados. Meus casarões, abandonados à própria sorte, hoje servem como estacionamento ou se tornaram abrigos de marginais de toda espécie. Minhas riquezas foram dilapidadas por gestores incompetentes. Minhas praias e meus rios foram poluídos por um crescimento urbano sem planejamento e pela voracidade de investidores que visaram apenas ao lucro e jamais à minha saúde ou ao bem-estar de meus filhos.

 PERGUNTA: Mas a senhora, nos últimos anos vem recebendo constantes homenagens, algumas inclusive de abrangência internacional. Isso não seria uma forma de reconhecimento?

 RESPOSTA: Sem dúvida que sim. Não tenho como negar que algumas dessas homenagens me deixam lisonjeada. Infelizmente, porém, algumas delas têm apenas caráter político e não podem ser vistas como reflexo direto de um merecimento meu. Posso dizer que há muita gente se promovendo a minhas custas. E isso muito me entristece. Contudo reconheço que algumas homenagens e honrarias são merecidas e a essas sou muito grata.

 PERGUNTA: E as homenagens feitas diretamente por seus filhos envolvidos com as artes: músicos, poetas, romancistas, contistas, teatrólogos... como a senhora vê isso?

 RESPOSTA: Essas são as homenagens que mais me deixam feliz, principalmente por que elas não aparecem exclusivamente em função de uma data específica ou de uma comemoração. Elas aparecem de forma espontânea, pelo simples prazer de me fazer feliz, de lembrar que sou importante na vida deles. É importante notar que nem todos os que me homenageiam com seus talentos nasceram de meu ventre. Alguns vieram de outros lugares e depois me adotaram como amiga, musa inspiradora ou mesmo mãe. Alguns deles me elogiam, outros, mesmo de forma carinhosa, abrem meus olhos para alguns problemas que nem mesmo eu observava.

PERGUNTA: Pode dizer alguns nomes?

RESPOSTA: Dizer nome é sempre algo muito perigoso, pois fatalmente esquecemos o nome de alguém. Mesmo assim vou arriscar a citar alguns filhos e filhas – próprios ou adotivos – que me imortalizaram em suas obras de arte: João Francisco Lisboa, Aluísio Azevedo, João Mohana, Josué Montello, Luis Augusto Cassas, Arlete Nogueira, Ferreira Gullar, Nauro Machado, Bandeira Tribuzi, José Chagas, Carlos de Lima, César Nascimento, Beto Pereira, João do Vale, Conceição Neves Aboud, Joaquim Itapary, Antônio Almeida, Luiz Alfredo Neto Guterres... Minha memória é fraca, mas todos os que dedicaram uma palavra, um acorde ou uma pincelada para mim moram em meu coração. Agora, se me permite, queria descansar um pouco. Está chegando a hora de mais uma homenagem. Espero que seja sincera.

 

José Neres escreve às segundas-feiras para o Textual.

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