Textual

A(S) CIDADE(S)  QUE ME HABITA(M)

          


Moro numa mesma cidade em duas dimensões diversas, em uma ando lesta, passos firmes, passada elástica; em outra ando lenta, passos cansados, pisada incerta. Em ambas, sinto a mesma brisa de todos os setembros, tenho o olhar aguçado para o caleidoscópio das cores dos poentes, e para os detalhes dos casarios, o semblante das pessoas, o vai-e-vem das ruas, seus sons e  cheiros.

Cruzo a Ponte José Sarney, sobre o braço do Rio Anil, rumo à Beira-Mar, os ônibus fumarentos disputam espaço com automóveis e motos, as frondosas figueiras benjamim que dividem as duas pistas levantam-se, copadas, retomando  seu lugar, e eu desço a rampa do Cais da Sagração para entrar na canoa de vela azul de Pedro Olhudo, com meus filhos, contornando as c’roas, rumo à Praia da Ponta d’Areia, moradia de pescadores e lugar paradisíaco e quase deserto.

Vou conferir as reformas feitas na Praça Deodoro, olho com prazer o Pantheon refeito, os espaços largos agora livres de barraquinhas de comidas, a estrada de Oz me leva à biblioteca branca, de alta escadaria, entro e vou direto ao espaço infantil, lá me esperam horas de aventuras, Monteiro Lobato, Emília, Narizinho, o Visconde, o Barão de Münchaussen e Gulliver são meus companheiros.

Que belo  está ficando o Largo do Carmo com a reposição do piso das ruas, observo as andorinhas  em revoada nas torres da igreja, desço do  bonde São Pantaleão, no abrigo dos bondes e vou com minha tia Amália e  seu noivo,  ao Moto Bar comer pastel de carne com Guaraná Champanhe, talvez um sanduíche de fiambre.  As calçadas largas foram refeitas, o Beco da Pacotilha, parece novo, ué, nunca tomei pega-pinto na Fonte Maravilhosa, as bancas estão cheias de revistinhas, bem que meu pai podia ser dono de uma delas pra eu ler todos os gibis do mundo.

Modernizaram a  Rua Grande, nos moldes das calles das grandes cidades, tiraram os camelôs, já podemos andar sem os tropeços do piso esburacado, bancos de madeira servem aos passantes cansados e as meninas de saia rodadas passam pela  porta da Sodiscos, cheia de rapazes, é a rota do footing, cuidado com as saias na esquina do Caiçara, aquele edifício novo, outro grupo de boys lá está à espera do redemoinho que varre as folhas e levanta as saias dos brotinhos.

Embora sem flores, a Praça Gonçalves Dias, ganhou beleza com a saída do pátio dos trens, sem muros, a vista é prologada com a branca e desolada Praça Maria Aragão, o que será que Niemayer tem contra as árvores, tirados os tapumes, surgiu outra graciosa pracinha frente à imponente estação de trens que será um museu. Aplausos. Desvio de um skatista alucinado e  o bonde Gonçalves Dias está virando a lança, cheio de alunos do Santa Tereza, Maristas e Colégio São Luís. Alguns descem para namorar no coreto florido. Eu fico no bonde, olhos baixos, um rapaz do Maristas pagou a minha passagem, diz o cobrador. E se ele vier falar comigo? Que faço, agora?

Chego a casa, que é um compósito dos lugares que habitei e que me habitam, olho para a Baía de São Marcos da qual nunca me afastei nas minhas três residências de vida adulta e sinto que esta Ilha, este mar, este sal, este vento sudeste, estes rios, poentes e praças estão em mim em todas as dimensões, idades e situações que já tive e porventura ainda terei. Indelevelmente, para sempre.

 

Ceres Costa Fernandes escreve às quartas-feiras para o Textual.

Comentários

  1. Parabéns mestra amiga Ceres pelo passei da São Luís antiga a restaurada em algumas localidades, por exemplo: ruas, praças e passarelas de avenidas. Mas valeu mesmo a sua homenagem com bastante carinho e sensibilidade com a nossa musa que muito é uma fonte inesgotável de inspiração dos filhos poetas e escritores. Gostei muito da sua crônica.

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