DODÔ E AS ELEIÇÕES
Já estava com saudades destes dias
felizes da propaganda
eleitoral para prefeito e vereadores, em que vislumbro uma cidade
de sonhos que,
de tão perfeita,
deu vontade de me mudar
para lá. Sim porque a cidade prometida, como
a bíblica Canaã, que “jorrava leite e mel”, certamente
não é onde moro. Mas
não é bom desconfiar de véspera, o candidato eleito – às horas
que escrevo, ainda
não sei qual
é – cumprirá todas as promessas feitas aos ilhéus.
Eleições
trazem à baila a amiga
Dodô (Doralina Gonçalves, quando aqui morava). Muitos querem saber
notícias da trêfega
maranhense casada
com o boa-praça
Olaf, um milionário
sueco. Dodô acredita fielmente no
matrimônio, tanto que
casou oito vezes.
Encontrei-a em
ligeira viagem
que fiz ao interior
de São Paulo. Foi em
Campinas, na eleição passada, ela fazia compras,
acompanhada de um sujeito
barbudo, chinelão de dedo, camiseta,
tipo intelectual
alternativo anos
60, um tanto
diferente das amizades
de Dodô. Dadas as beijocas de costume, ela me solta a grande novidade:
era candidata
a prefeita em
uma cidadezinha do interior de Minas. Ué, desde quando te interessas por
política? Ah, foi o Miguel que descobriu o meu
carisma político
e me fez ver
as minhas qualidades
de liderança.
E me
apresenta o cujo: Miguel, meu amigo e intelectual. Dodô andando com
intelectuais? Então
mudou. Ela não
é propriamente a “loura burra”,
embora esteja louríssima e seu interesse por leitura não vá além de revistas sobre
a alta sociedade.
Prazer, digo, o senhor é professor, qual a sua área, tem obras publicadas? Ah não,
amiga, Miguel é jornalista,
faz resenhas de livros
para jornal. Penso comigo, leitor de orelhas
de livros, um
pouco acima
do cara que
faz a seção de horóscopos,
ou não.
Corroborando sua
cultura de almanaque,
Miguel joga em
cima de mim
um monte
de autores, traduções
e editoras e eu
me mostro devidamente
impressionada – não posso decepcionar a minha
amiga. Aliás,
nem adianta levantar
suspeitas sobre
o seu novo guru. Dodô não
aceitaria. Além do mais,
Miguel defende as minorias, sejam elas quais
forem e acredita na vitória de Dodô. Reforça o ponto forte da plataforma
da candidata, criação
de marketing dele próprio:
todos os habitantes
abaixo da linha
de pobreza de Ipê
Amarelinho terão direito a um aparelho sanitário em seus casebres.
Esqueci-me de dizer que
uma das indústrias de Olaf, o maridão, é
de louças sanitárias. O levantamento
feito por
Miguel chega a 180 mil
“residências” a serem atendidas, aquelas
em que
os moradores vão à casinha, no fundo do quintal
ou detrás
da moita mesmo.
Tento objetar, Mas Dodô, e o encanamento, fossa, água corrente, esses detalhes insignificantes?
Ah, amiga, isso
não é comigo.
Dou o vaso e pronto.
O incentivo à higiene
está feito. Sinto comunicar
que a minha
amiga não
ganhou a eleição, que
foi decidida no primeiro
turno com
a vitória do outro
candidato que
prometia televisões e cursos de corte e costura gratuitos. Também
não sei lhes
informar que fim levou o intelectual
Miguel após seu
insucesso como
marqueteiro. Deve ter saído
com alguns
contos a mais.
Dodô é rica e generosa. No entanto, posso lhes
garantir, firmada no conhecimento
de longos anos,
que Dodô realmente
possui em carisma
tanto quanto
lhe falta
em tino
político.
Fico imaginando o que
fariam os favelados de Ipê Amarelinho com
tantos vasos
sanitários doados. Quem
sabe serviriam para outros
usos: com
um pequeno
tampo, uma mesa;
dispensa para
alimentos de cesta
básica doada ou
um gracioso
canteiro de horta.
É, não seriam de todo
inúteis.
Ceres
Costa Fernandes escreve às
quartas-feiras para o Textual.
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