Conversas vadias
EXERCÍCIO MARÍTIMO*
José
Tribuzi Pinheiro Gomes, ou simplesmente Bandeira Tribuzi é um dos valores mais brilhantes
da chamada geração de 45. [São Luís do Maranhão, 2 de fevereiro de 1927 — 8 de
setembro de 1977]. Iniciou o Modernismo no Maranhão em 1948, com a publicação
do livro de poesia ‘Alguma Existência’.
Ao lado de José Sarney, Lago Burnet, Ferreira Gullar José Bento Neves,
Carlos Alberto Madeira e outros escritores, fez parte de um movimento literário
difundido através da revista que lançou o modernismo no Maranhão, chamado ‘A
Ilha’, da qual foi um dos criadores, como foi o fundador, anos depois, do
jornal ‘O Estado do Maranhão’, junto com José Sarney.
Poeta
de grande profundeza lírica trocou a batina franciscana para assumir de vez às
lides literárias e para não ser “Prior do Carmo”, como gostaria o pai, diz ele
no “Memorial da longa vida”, que só durou cinquenta anos, interrompida por um
enfarto fulminante no estádio ‘Nhozinho Santos’, ao assistir um jogo entre o
Sampaio Correia e o Moto Clube, no dia do aniversário da Cidade de São Luís, sem
extinguir, contudo, seu talento, dos
mais iluminados já visto entre nós, já que o espirito é intelectivo, muito
embora sua formação universitária em finanças, feita em Coimbra, já ter sido
trocada, em grande parte, como dizia,
por seus afazeres jornalísticos, vez que nos trouxe da velha Europa, uma
educação humanística e técnica realmente sólidas , a par de uma cultura
literária, não só lusitana como universal.
‘Declaração’, poema de Bandeira Tribuzi, in ‘Intimo Comício’, obra poética, 2002, verso de abertura: fragmento de ‘Alguma Existência, 1948. Direção Musical: Tuco Marcondes e Zeca Baleiro.
Em
“O Conto Brasileiro”, Josué Montello traça um paralelo entre autores de
inspiração ruralista e autores de inspiração litorânea, ao dizer que “realmente, a paisagem marítima, que serviu de
cenário às maiores glórias da raça, só raramente aparece na prosa de ficção de
Portugal, em contraste com o que ocorre com a poesia que se volta
preferencialmente para o mar”, como é o caso
desse
‘Exercício Marítimo’, poema inserido no ‘Cancioneiro da Cidade de São Luís, o
porto que me atraco na poética de Bandeira Tribuzi, a ratificar a justeza dessa
reflexão. Ouçamo-lo por isso:
“A
palavra mar em lenta pronúncia úmida, / fria, amarga, de marinheiros, em
histórias. /Depois pensar no corpo da infância, / cartões ilustrados,
/recordações, praias, visitas e pensadas”.
E
mais: “Quem assim escreve/ é quem já sentiu em demanda de um infinito azul /a
dimensionalidade das coisas imperceptíveis, / até certo tempo ou momento. /As
coisas deixadas, as lembranças e as ideologias ameaçadas/ por uma pá de
cimento, / uma rosa que não brotará nunca nas raízes de uma calçada”.
Afiança
Joaquim Nabuco em ‘Minha Formação’, que “de um lado do mar sente-se a ausência
do mundo; do outro, a ausência do país”. E assim, num doce ou não exílio, parte
o poeta em vagas imaginárias:
“Gosto
de sal nos lábios:/ eis construída a paisagem. /Coloquemos nele um barco. / O
vento [este vento real que agita os cabelos] /continuará o exercício impelindo
o sonho a viagem.”
O
sonho ou a viagem, tanto podem ser sentidos na Praia do Desterro, em São Luis,
como podem ser sentidos na amplidão das praias do Algarves, em Portugal. O
gosto de sal, a paisagem e o vento não são determinados. Fernando Pessoa
escreveu que “pelo Tejo vai-se para o mundo. Pelo mar ou por um rio de aldeia
se consegue partir para o mundo”. E Tribuzi prossegue
“Que
um dia quando pó forem meus nervos/ e minha carne o adubo de uma rosa/ e uma
ave voar no meu silêncio / e tudo quanto fui seja memória,/ quando água se faça
meus pensamentos / e os desejos em nuvens se transformem,/ quando já nada reste
de meus erros/ e meu ser seja orvalho numa rosa,/ possa alguém lembrar/ ao ler
o mais triste dos poemas,/ a sofrida saudade de um bem que foi por ter e,/
lembrando, ouça a música incontida/ da palavra comigo sepultada: doce, nítida,
pura, azul e alada.”
Um
soneto entranhado em meio ao poema, ou pelo menos quatorze versos entrelaçados
numa beleza de forma lírica, mais sentida que pensada, características
acentuadas no estilo de Bandeira Tribuzi. Conteúdo vivencial e técnica
perfeita, fazendo-nos lembrar a todo o momento o autor de ‘O Guardador de
Rebanhos’. E prossegue o poeta de ‘Safra’:
“Teus
olhos, transparente melodia,/são rios como os rios de uma margem para a terra/
das nuvens, alta e fria./ Teus olhos, permanência fugidia,/ imagem da imaginada
imagem/ de teu mais puro ser,/são a viagem mais preciosa [e inatingida],/ dia
de luminosa auréola solar recém-nascida/nas manhãs molhadas/ orvalho e seiva,
/pétala de estrela, teus olhos rimam com amor e mar /e a saudade da pátria
desejada...”
Neste
seu último fôlego, ou exercício marítimo, não nos leva a verificação daquele
fenômeno que Leo Sprizer assinalou no seu ensaio ‘Interpretação Linguística das
Obras Literárias’: “O poeta é o que se esforça para transformar em enigmático
um pensamento claro.” Bandeira Tribuzi nos traz com seu lirismo inebriante, uma
mensagem poética belíssima... Aqui não há transcendência para o enigmático, a
força construtiva é que exige, se é que exige...
O
poeta nos deixou uma bibliografia extensa e apurada em poesia e prosa, e foi
também o autor do Hino da Cidade de São Luís... “O Memorial Bandeira Tribuzi [próximo ao
Espigão Costeiro] foi criado em sua homenagem; uma das mais importantes pontes da
capital, a ligar o Centro Histórico ao outro lado da Ilha, também leva seu nome,
além de um busto em bronze, na Praça do Parthenon, a perpetuar o nosso poeta, ladeado
a outros escritores maranhenses.
Tribuzi
ao despedir-se de seu exílio interior, ou da saudade da pátria desejada, tendo
o mar como experiência pessoal e melancólica, se justapõe ao lado de Geir de
Campos, quando canta: “Ó grande mar – escola de naufrágios! Chora um adeus em
cada colo de onda.”
Ó Tribuzi,
quanta falta fazes às nossas artes!
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Fernando Braga, in Jornal ‘O Estado do Maranhão’, 17 de agosto de 1973,
enfeixado em ‘Conversas Vadias’, antologia de textos do autor.
Obrigado pela sua pesquisa e sua poesia!
ResponderExcluirGrande abraço!
Brilhante evocação do grande Bandeira Tribuzi, um dos faróis que balizaram a minha caminhada pelo íngreme e dúctil chão da poesia. Comoveu-me muito o teu texto preciso e absolutamente certeiro sobre o talento pinacular desse homem notável sob todos os aspectos. Amei.
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