Textual

 

SOBRE MICROCONTOS

 


Sempre me vi atraído pela ideia de poder narrar algo utilizando o menor número possível de palavras. Acho interessante quem tem poder de síntese e tece todas as suas observações em poucos comentários. Claro que em casos assim o texto acaba exigindo um pouco mais do leitor, que tem que ficar atento ao necessário preenchimento dos vazios intencionais deixados pelo autor.

Gosto muito de ler os textos de autores como Dalton Trevisan, Marcos Paulo Belo Matos, Rinaldo de Fernandes, Augusto Monterroso e de outros tantos escritores que trabalham seus contos até que reste apenas o essencial. É sempre um desafio ler o que para muitos nem mesmo foi escrito.

Em um microconto, o autor tem a obrigação de fazer o leitor, mais do que nunca, tornar-se um coautor, completando os espaços e transformando silêncios em falas. Mas as apalavras estão sempre ali, embora algumas não estejam escritas e permaneçam em estado de dicionário, como certa vez ensinou o mestre Carlos Drummond de Andrade.

Talvez por haver sempre alimentado o prazer de ler sonetos, haikai, mini e microcontos, acabei enveredando também em muitas tentativas de produzir algo assim, como pode ser visto nos livros 50 Pequenas Traições e em outros trabalhos esparsos que vez ou outra apresento aos meus poucos leitores.            Pretendo então, até a primeira quinzena de fevereiro próximo, disponibilizar – de forma gratuita como sempre faço – um e-book (ainda sem título definido) contendo 100 (cem) microcontos sobre temas variáveis. Serão metade dos textos antigos e os outros tantos inéditos. Para quem aprecia esse gênero às vezes tão contestado e pouco valorizado, deixo aqui cinco dos textos até agora não publicados que comporão o volume.

Assim como ocorre no livrinho Em família (disponível na internet), são textos sobre pessoas anônimas e estereotipadas e que podem estar em qualquer lugar. Até mesmo ao lado de cada um de nós.

 

Boa leitura.


REFORMA

 

Hora de reformar a casa. De jogar fora as velharias. Livrou-se dos livros. Da estante. Do sofá. Das cadeiras. Olhou para o lado:  pai, 93 anos; mãe, 87... A reforma teria que ser completa.

 

PLANOS

 

Ela fez o que pôde para ser minha namorada. Lutou para tornar-se minha esposa. Agora, suponho, planeja ser minha viúva.

 

SEGREDOS

 

Madrugada. Exumou o cadáver da esposa. Tentava encontrar os segredos que ela jurou levar para o túmulo.

 

CONVERSA

 

Papai me chamou para uma conversa. Disse que queria um papo de homem para homem. Não irei. Não confio nele tanto assim.

 

DECLARAÇÕES

 

Tudo terminou naquela noite em que decidi declarar-lhe toda a minha paixão. E ela, em troca, me declarou toda a sua pobreza.

 

José Neres escreve todas as segundas-feiras para o Textual.

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