Textual
O MORRO E EMILY
O MORRO
Sexta-feira vi, pela segunda ou terceira vez,
na tevê,
o filme O morro dos ventos uivantes (com Juliette Binoche no papel principal).
No sábado,
com agradável surpresa, constatei que o romance com esse título
permanecia há várias semanas na lista dos livros mais
vendidos no Brasil da revista Veja.
A
primeira vez que o li, na adolescência, fiquei
arrebatado de uma forma inusitada e peculiar, embora já
houvesse lido vários outros clássicos.
Certamente, havia em seu enredo, algo de mágico, ou de
aterrorizante ou de sedutor, ou as três coisas
juntas.
(Não posso
deixar, aqui, de abrir este parênteses para desconstruir a mentira freqüente
que se pespega, de que os jovens de hoje são avessos à
leitura, especialmente de bons livros. A aceitação, nestes
tempos céleres
e conturbados, deste que é um dos grandes clássicos
da literatura universal, desmente essa inverdade. Pelo que constatei em
palestras da rede pública, nas redes sociais e na comercialização
de livros, os jovens leem com frequência até
maior que muita gente do meio literário. A diferenciação
se dá
no conteúdo
que eles apreciam, nem sempre coincidente com aquilo que lhes é
sugerido ou, no mais das vezes, imposto.
A receptividade a este romance creio que se dá
porque sua autora foi privilegiada pelo dom de sedimentar as ações
de seus personagens através
de uma narrativa que se esmera na busca da simplicidade como alvo, no que se
poderia chamar do romance-romance : cujo objetivo principal é
o de contar uma história atraente e de envolver os seus leitores, com
personagens não apenas fortes, mas fortíssimos; com cenas
não
apenas fortes, mas fortíssimas; em ambientes nos quais o contraste
desses impulsos com o bucolismo da paisagem, permanecem indeléveis na memória
de quem o lê, tendo no centro de tudo, paixões fortes,
fortíssimas,
ao redor do qual orbitam as turbulências.
Se o
clássico
Romeu e Julieta é um ensinamento sobre o amor, O morro dos
ventos uivantes é um aprendizado sobre a paixão.
Parece a mesma coisa, mas não é).
EMILY BRONTË
Pois deve ter sido através
da paixão
que cheguei, mais tarde, à autora deste romance, Emily Bronte quando saí
a pesquisar sua biografia
Parece que a estou vendo agora. Na casa onde
morava, ou nas charnecas ao lado, onde os morros uivavam e era fácil
ver fantasmas vindo dos cemitérios que circundavam a casa. A mente
sonhadora, de moça oprimida por um pai autocrático
e severo, e que tinha como único divertimento conceber cenas de teatro que
escrevia em caixas de papelão com as duas irmãs.
Emily não se casou e
morreu cedo, aos 30 anos, de tuberculose, negando-se a receber cuidados médicos.
Que passava o dia com o olhar fixo na janela,
onde batiam os ventos, como se através dela se
transplantasse para o único lugar possível fora do
lar que as confinavam, vivificando as cenas com que revestiria o romance que a imortalizaria,
onde as paixões chegavam ao paroxismo, resvalavam o doentio, mas jamais atingiam
o ponto da loucura ou do fantasmagórico.
Uma moça débil,
de beleza melancólica e reclusa, dotada de um coração
que guardava paixões tão intensas que
foi capaz de descrevê-las em seus personagens, transformando-os em
heróis
eternos.
José Ewerton
Neto escreve às
quintas-feiras para o Textual.
Excelente texto, Ewerton. Concordo contigo que há muitos jovens lendo, claro que temáticas e formas que nem sempre ou quase sempre são as nossas, mas que estão lendo sim. Quanto à Brontë, realmente é fascinante, romance e vida, e eu sou um seu afeiçoado, ao romance e ao filme, que nunca paro de gostar. Gostei!
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