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MUDOU O CARNAVAL OU MUDAMOS NÓS? – reflexões para quando o Carnaval voltar

 

Machado de Assis cunhou uma frase muito citada aqui e alhures: “Mudou o Natal ou mudei eu?”  O sucesso da questão contida nessa frase é que ela se presta   a diversas ocasiões e corresponde às dúvidas de muitos que se perguntam se são saudosistas ou se realmente as coisas mudaram para pior. A tendência geral é achar que os tempos passados é que eram os bons tempos, melhores que os de hoje, quando a verdade é que, na infância e juventude, sentimos, gozamos e amamos no superlativo. Tudo é MAIS, não só a alegria, mas também tristezas e dores.

Mantendo a equação, troquemos alguns termos: o carnaval mudou para pior ou mudamos nós? Aprendemos que, desde os festejos dedicados a Dioniso e através dos séculos, o carnaval foi sempre o momento máximo de suspensão da censura e inversão dos códigos vigentes. Inversão de sexos, de papéis sociais, de temperamentos. Nele, homens sisudos vestem-se de mulher, a doméstica vira princesa, a mulher modesta experimenta seu dia de odalisca. É o momento de viver mil personagens e sermos protagonistas de enredos nunca vividos.

Um fato é incontestável e não pode ser refutado nem pelos saudosistas nem pelos avançadinhos: o carnaval não é mais aquele momento especial, o único em que era permitido extravasar com total liberdade o excesso de energia ou a alegria reprimida durante o período “normal”- hoje ele compete com incontáveis festejos similares, os carnás, as micaretas, as folias. 

Carnaval - como mãe - era um só. Esperava-se esse evento o ano todo. As festas carnavalescas eram poucas, em dias rigorosamente definidos: no Sábado e Domingo magros e nos dias oficiais, desde o Sábado Gordo até a Terça –Feira. O rescaldo era no Sábado de Aleluia e só. Ai de quem se atrevesse a realizar alguma festa, carnavalesca ou não, durante a Quaresma. Imaginem a expectativa que se alojava nos corações no aguardo desses dias mágicos. A longa espera nos mantinha desejosos, alimentando o sonho.

E havia as fantasias. Era obrigatório: crianças e jovens não brincavam carnaval sem elas. Usar fantasias, que maravilha! Lembro das minhas. Fantasias simples. Eu escolhia o modelo entre as mais votadas da época: tirolesa, colombina, baiana etc. A costureira, uma negra alta e bonita, de voz cheia (dava a impressão de que falava com um caramelo preso no céu da boca - essa voz me fascinava tanto que muitas vezes tentei reproduzi-la, frente ao espelho, com caramelo e tudo). Chama-se Maria Costa e morava na Rua das Cajazeiras.

Nos dias da confecção eu me “mudava” para a casa dela e ficava horas sentada em frente à máquina, siderada, acompanhando o andamento da costura. Para mim, nesse momento, ela não era uma simples costureira - a pregar sutaches, lantejoulas e franjas na fazenda - mas uma fada, uma feiticeira cujos dedos correndo ligeiros, transmudados em vara de condão, transformavam panos em personagens.

Não há dúvida que o momento único se diluiu na realização dos vários minis carnavais durante o ano. Se seguirmos o calendário de todas as festas, começamos em janeiro e só acabaremos de pular carnaval no Natal. Se perdemos um carná, logo aparece uma micareta para compensar. Os pula-pula rasgados das baladas competem, também,  com a descontração da época momesca.

Outro fator de banalização da mística carnavalesca veio com a multiplicidade de tendências da moda. A moda agora é livre. Cada um se veste de acordo com a sua “criatividade”. É só prestar atenção no povo nas ruas e constatar que muita gente parece pronta para um baile à caráter: topamos diariamente com travestis, transformistas, mulheres de terninho; pessoas de cabelos verdes, vermelhos e azuis, meninas vestidas de princesa e meninos de homem-aranha.  Carnavalizamos a todo momento. 

Que dizer das músicas, então?  Tocadas e cantadas nos dias de carnaval são as mesmas das festas do ano inteiro. Sobre o repeteco das músicas, tenho uma declaração a fazer, que certamente não abalará as estruturas carnavalescas - digo mesmo assim: não vou mais a clubes no carnaval. Da última vez que cometi esse desatino, a orquestra só tocava axé e funk. Nada contra. Mas identifico carnaval com sambas, marchas e frevos e fiquei com um sentimento de frustração a festa inteira. Como se alguém houvesse me enganado e convidado para a festa errada.

Mas, sacudamos a poeira. Certamente, para os jovens de hoje o carnaval é tão maravilhoso quanto o era para nós outros de todos os tempos. Melhor ainda será se  estivermos apaixonados, e aí, não há nada melhor a fazer  que cantar Máscara Negra, de Zé Kety : “Foi bom te ver outra vez/ Está fazendo um ano/ Foi no carnaval que passou/ Eu sou aquele pierrot/ que te abraçou/ E te beijou meu amor./Levanta a máscara negra/ Que encobre teu rosto/Que eu quero matar a saudade/ Vou beijar-te agora/ Não  me leve a mal/ Hoje é carnaval!” É infalível, pode crer.

 

CERES COSTA FERNANDES escreve às quartas-feiras para o Textual.

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