de José Ewerton
Neto
AOS NÚMEROS
Ao
número um que às vezes me cabe
Nas
vezes em que não estou mais em mim mesmo
Ao
número dois que em si desabe
A
vontade de partir de mim, vagando a esmo
Ao
número três que de mim arranque
Uma
ponte de seguir do um ao último
Ao
cinco, ao dez, que não estanquem
Essa
ânsia de ir além, de número em número
Ao
número mil cuja extensão
Me
sirva de estação, lugar e hora
Ao
milhão em que logo após eu chegue um vão
Viajante
com saudade de ir embora
Para
lá, mais além, bilhão, trilhão
Até
o mais alto infinito da memória
Onde
o esquecimento jamais turve essa ilusão
De
que fui além do um, de mim, de sempre
e agora.
INFINITO
O infinito, na matemática
Mal consegue disfarçar
Sua sina de impostor
Suas mãos, úmidas de estrelas
Ao cravar-se nas fórmulas
Da essência dos signos se apropria
E reluz a insana farsa
De caber-se no tempo, sendo eterno
Na fração sendo infinito
Pela soberba, talvez, de sendo tudo
Imaginar que só lhe basta
Vestir-se do avesso pra ser nada
PÁTRIA
Pouco depois
Do solo
O que teria
de vir?
Quase à maneira das asas
Uma oração atravessada no espaço
Chama-se pátria
A esse cordão de gritos iguais
Que o solo reclama
Para seu adorno.
ÓRFÃO
Seja de prece
o teu rosto
E tuas longas mãos
como um rosário
e eu poderia
te enforcar
com um terço
e depois
secar as minhas culpas
na tua alma de santa
FIGURAS
GEOMÉTRICAS
Cilíndrica
A mulher cilíndrica é um gato
Que aos círculos sobe, foge
Mas ao rodar não se lembra
Que é escrava do próprio giro
E nem adianta arranhar
As transparentes paredes
Desse anel que se projeta
Num céu que não acaba
Muito menos recordar
Que esse anel tem fronteiras
É crescer, crescer até que,
De repente a vida surja como tampa
Esférica
A mulher esférica
É um coração que vibra
Em todas as direções
Como um pião girando
Em torno do próprio espanto
Longe de seu lugar e hora.
Como um ponteiro que, descompassado,
Cai da abóboda do tempo
É logo capturado pela dança
Da ilusão e do sonho...
E roda ribanceira abaixo ou acima
Ao sabor dos impulsos do amor e da dor.
Cônica
Mulher cuja altura dela foge
Toda vez que em círculos de prazer se deita
A acariciar às escondidas
O mais profundo poço de si mesma
Mulher que dela foge e, de repente,
Às ribaltas, aos voos, às asas
Quase lhe leva junto
Num momento de ternura e rosas
Porém, ao bater com a cabeça no céu
Sua altura para num ponto, uma cruz.
Mas não ela que, pacientemente, faz
Do novelo desse sonho, seu capuz.
O PISTOLEIRO
Uma rua suja
E cheia de buracos
Multiplicava-se
(Por quantas rugas)
Nas faces daqueles homens
De corações mal-encarados
E havia um SALOOM
E um sol muito quente
De repente, ele surgiu:
Vestido de preto
Marcado de ira
Festejado de músculos
Ensopado de maldade
Feliz de altura
Gasto de sorrisos
Espremido de vida
Ensandecido de cabelos
Remendado de coragem
Roubado de medo
Montado num corcel branco
E relinchando pelo cano de sua pistola de prata
Saboreando tantas vidas mortas
No fumo preto de seu charuto grosso
E, enquanto o seu olhar de cobra
Feria o espaço e maltratava o infinito
O sol se escondia – covarde! –
Por trás de uma nuvenzinha qualquer
Seus olhos azuis, de azul nunca visto
No céu e na terra, iam e vinham
(de onde? Pra onde?)
Recolhendo dos tons do entardecer
As parcelas para o ajuste de contas
Entrou
no SALOOM
-
Quero um copo de leite.
-
Leite? Ah, Ah, Ah! Vai ter de beber uísque
Vai ter de beber uísque – Vai ter de beber uísque –
Vai ter de beber uísque –Vai ter de beber uísque – Vai ter de beber uísque –
Vai ter de beber uísque – Vai ter de beber uísque – Vai ter de beber uísque –
Vai ter de beber – Vai ter de beber uísque – Vai ter...
O fio que separa a vida da morte
Encurtou até ser um ponto
Maior um instante (ainda)
Que o ponto final
E
a morte abriu sua imensa boca
BANG BANG ZING
BANG UI BANG BANG AI BANG SOCOOORRRO OHHHH
BANG BANG ZING
BANG UUIII BANG ZING AAAIIIIIIIIII BANG BANG ZING AI
Desnecessário seria
Perguntar-lhe pelas balas
Ou o porquê dessa tristeza
Depois delas
A verdade dos cadáveres
Valia-lhe um pouco mais
Quanto mais agora
Que o sol da tarde de ira
se
punha no seu sorriso
E o que mais for dito
Foi por ele pressentido
Não chorou, contudo
Por seu destino tragicômico
De pistoleiro cruel
Morto por um
José Ewerton Neto é poeta, escritor, autor de diversas obras literárias, entre elas, O prazer de matar, A ânsia do prazer, Cidade aritmética, O menino que via o além, A morte dos Mamonas Assassinas e outros contos, O infinito em minhas mãos, Ei, você conhece Alexander Guaracy?, dentre outras.
Os poemas de José Ewerton Neto apresentam uma simetria marcante e um caráter instigante, demonstrando sua habilidade tanto na poesia quanto na prosa. Embora seja amplamente reconhecido por outros aspectos de sua obra, muitos desconhecem essa faceta literária do autor. Sua escrita transcorre com fluidez, explorando formas e significados de maneira equilibrada e envolvente. A simetria em seus versos confere um ritmo próprio, tornando a leitura ainda mais cativante. Dessa forma, sua produção poética merece maior reconhecimento dentro do panorama literário.
ResponderExcluirPoetas como o Ewerton me inspiram profundamente, me emocionam infinitamente. São um presente aos olhos, ao coração, a razão e a alma.
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