A MAIOR DE TODAS AS
ILUSÕES
A maior de todas as ilusões é você mesmo, caro
leitor.
O neurocientista Daniel Dennet atesta, como outros
especialistas, que a mente humana é apenas uma constante sucessão de ideias,
lembranças, sucessões, projetos, sentimentos, disputa por atenção etc. que
passa por nossa consciência, de forma não linear. Para ele a forma de dar
sentido a esse turbilhão é dizer que há um Eu no comando de seus
pensamentos. Mas esse eu unificado é apenas um conceito, portanto, um
impostor.
A IA respondeu exemplificando com um diálogo entre o
ser humano e sua imagem no espelho quando indaguei se era verdade que o ser
humano não passava de uma ilusão, depois de ter confirmado que, de fato, não
passamos de ilusões.
- Quem é você?
- Eu sou você.
- Nada disso. Você é apenas a minha imagem. Eu sou eu.
- Não se iluda. Eu sou você.
- Idiota! Se você for eu, quem, afinal, eu sou?
- Uma ilusão. Somente isso e mais nada.
- Ah, quer dizer então que eu como, bebo, respiro,
transo, posso te mandar à puta que pariu agora mesmo e, mesmo
assim, eu não sou eu. Enquanto que você, sem corpo e sem vida, por trás da
lente de um espelho é a minha pessoa...
- Eu pelo menos sou sua imagem. Você nem isso,
simplesmente é uma fantasia criada por você mesmo.
- Essa é boa! Vejo que você pretende me tirar do
sério. Quer dizer que sequer uma imagem eu consigo ser, ou ter?
- Claro! Basta pensar. Daqui a um segundo você já terá
outra imagem. Eu poderei ser sempre sua imagem atualizada, basta vir ao
espelho. Já você, ao sair daqui, pensará que sua imagem ainda será a mesma
de agora, esquecido de que esta já foi envelhecida pela passagem de mais um
segundo. E, assim por diante, uma sucessão de rostos se deteriorando
até morrer.
- Peraí. E meu pensamento?
- Seu pensamento é uma soma de sensações que você
teve, imitou dos outros ou lhe impuseram, portanto, nada exclusivo seu.
- E meu relógio? Meus pais? Meus genes? Minha carteira
de identidade?
- Não são seus. Você os tem apenas provisoriamente.
- Nada existe então de meu? De minha pessoa?
- Nada, você é pó, e ao pó retornarás, lembra? Já eu
não. Hoje sou você, amanhã posso ser outro, mais outro. Pelo menos sou uma
imagem. Valho mais que você.
- Miserável! Vou te matar criatura, seja lá quem você
for.
- Vamos lá, pegue uma pedra atire em minha direção e
me quebre. E assim perderá a oportunidade de continuar olhando a ilusão que
você é. O resto é memória. Quando fica.
José Ewerton Neto é poeta, escritor, membro
da Academia Maranhense de Letras
O texto de José Ewerton Neto é uma provocação filosófica engenhosa e instigante. Com leveza e ironia, ele transforma um diálogo interior em um espelho metafórico da fragilidade do que chamamos de "eu". Ancorado em reflexões contemporâneas sobre consciência e identidade, especialmente na linha de Daniel Dennett, o autor expõe a transitoriedade e a ilusão da unidade pessoal sem cair em um tom pesado ou pretensioso. A conversa com a própria imagem é ao mesmo tempo divertida e inquietante, convidando o leitor a rir — e a desconfiar — de si mesmo. Um belo exercício de filosofia em forma de crônica.
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