O
título desta crônica foi extraído da lendária fala do impagável Chacrinha, que
entoava a frase, durante algumas vezes, no seu inesquecível programa semanal O Cassino do Chacrinha, de saudosa
memória. Repetindo sempre, para lembrar aos desavisados, que “quem não se
comunica se trumbica”, o velho guerreiro Abelardo Barbosa, ícone do humorismo
brasileiro e dos programas de auditório, jogava, ocasionalmente, às vezes, ao
vivo, em seu programa, para a sua esfuziante plateia, vários bacalhaus durante
o seu horário na TV. Bons tempos aqueles!
Se o Chacrinha ainda
estivesse vivo e com seu programa no ar, talvez ficasse improvável ele
continuar a jogar bacalhau para seu público. Se o Cassino do Chacrinha fosse realizado hoje no Maranhão,
provavelmente ele gritaria: “olha a tapiaca!” E com certeza também não seriam
tantas as salvadoras tapiacas que poderiam aterrissar nas mãos dos
frequentadores do famoso programa. Mesmo sendo bem consumido pela população,
tem gente que não sabe que tapiaca é uma designação usada pelos maranhenses
para identificar um peixe de água doce de pequeno porte, geralmente encontrado
salpreso nas feiras.
O preço do filé do bacalhau do Porto atingiu nos
hipermercados patamares estratosféricos, atingindo, em alguns lugares, cifras
estarrecedoras, sendo comercializado a R$ 309,99 o quilo. É pra deixar qualquer
um de queixo caído ou de bolso esmorecido. Mas não apenas o bacalhau está nas
alturas. O custo da pescada amarela, peixe pedra ou camorim também esvazia o
ânimo do consumidor. Já de há muito tempo que o preço do pescado não está para
peixe miúdo...
E o camarão? Desse,
nem se fala. Dantes, no quartel de Abrantes, como dizia a saudosa Dona Maria
Lavadeira, “peixe era comida de pobre, e carne, comida de rico!” Hoje, os
papeis se inverteram. A carne de frango está com preços alcançáveis pelo
assalariado e o peixe, cada vez mais vasqueiro
na mesa dos menos favorecidos, quanto mais o tal do bacalhau...
As explicações para o
preço elevado do pescado são várias, e estão interligadas com a escassez do
produto diante da pesca predatória, bem como a rede de atravessadores e a
descoberta de que o peixe é um alimento mais saudável do que a carne vermelha,
dentre outros fatores, além da tradição de se comer peixe neste período da
Semana Santa, o que já altera para cima o valor cobrado. Mesmo assim, os peixes
ditos menos nobres estão com valor elevado. O custo não está bom para cristão,
como dizia o velho Chapéu de Couro.
Só resta ao
assalariado levar para casa uma tapiaca, que no leite de coco fica uma delícia,
embrulhar numa quitanda uma sardinha em lata, e meia dúzia de ovos, mesmo com
valor inflacionado. Existem uns aventureiros que se arriscam ainda da mureta da
Avenida Beira-Mar para tentar capturar uns papistas,
infelizmente já contaminados por falta de saneamento básico no Rio Anil. Mas,
como diz minha querida amiga Teresa Nascimento, “é o que há!”. Para quem também
não sabe o que é o tal do papista,
cabe informar que se trata de um peixinho chamado carataí (nome científico:
Pseudauchenitterus nodosus), que chegam a medir até 15 cm de comprimento,
conhecidos também pelos nomes populares de peixe-cachorro, gravataí ou
garavataí, dentre outras designações. Bem freqüentes no rio Anil e no Bacanga,
que banham São Luís.
Nesta época do ano, é
tradição se comer peixe e se abster de carne, em razão da Semana Santa. Tem até
um dito que a memória me resgatou da infância: “Aleluia, aleluia; peixe no
prato e farinha na cuia!”. Mesmo jogando o orçamento familiar no vermelho, muita
gente humilde ainda segue o antigo costume. Atento ao problema econômico, a
Igreja desde há muito liberou o cristão desse sacrifício, entendendo que não é
a carne como alimento que conspurca o fiel. Na acepção bíblica, “o que
contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca, isso é o
que contamina o homem”, segundo o Evangelho de Mateus 15, 11.
Se nem a carne, muito
menos o peixe contamina o homem (se não estiverem afetados pela poluição), o
que foi que gerou e multiplicou toda essa contaminação espiritual da
humanidade, num mundo onde a desigualdade social provoca a falta de acesso
econômico à maioria, enquanto alimenta a luxúria de poucos? Vivemos num sistema
capitalista que se opõe diretamente aos preceitos cristãos. Está escrito na
Bíblia que “é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um
rico entrar no reino dos céus”. Dessa forma, seria de se supor que todos os ricos
estariam condenados a penar no inferno, enquanto que os pobres continuariam na
penúria em vida, aguardando uma salvação paradisíaca depois da “passagem desta
para melhor”. Ora, essa visão é reducionista. Tudo o que está no mundo foi
criado para ser apreciado, usufruído. O mundo, contudo, é injusto, até segunda
ou enésima ordem, e no derradeiro frigir do mais refinado azeite de oliva ainda
não existe, diretamente importado da zona do euro, bacalhau para todos...
Resta
ao cristão verdadeiro permanecer na sua fé, fortalecendo os seus princípios
éticos, morais e espirituais, razão de sua existência enquanto fiel, de forma
solidária. Aliás, é isso o que anda faltando na mesa da humanidade: partilha,
comunhão verdadeira. Neste período da quaresma, na qual se relembra a paixão de
um Cristo que se deseja sempre vivo, repartir o pão em forma de peixe ou de
qualquer outro alimento (igualmente sagrado) com quem está passando necessidade
não deixará ninguém mais pobre ou menos rico. De qualquer forma, não importa se
o sujeito tem dinheiro no bolso ou não; o que importa é se ele é pobre ou rico
de espírito. Enquanto que muitos néscios passearão tristes pelas feiras ou
hipermercados apenas olhando o bacalhau que não será
possível comprar, os verdadeiros ricos de espírito estarão simplesmente
exercitando com o coração leve a partilha, a mais pura comunhão, que pode se
tornar viva ao se transmutar numa palavra amiga ou numa ação solidária, que
são, na verdade, os melhores dentre todos os alimentos.
Paulo Melo Sousa é poeta, jornalista
e membro da Academia Ludovicense de Letras
Parabéns, Paulo!
ResponderExcluirLi com muito orgulho e admiração seu artigo “Olha o Bacalhau…” e não poderia deixar de registrar aqui meu aplauso pela sua escrita inteligente, crítica e ao mesmo tempo leve, cheia de memória afetiva e reflexões profundas sobre os tempos atuais.
Você conseguiu, com maestria, misturar humor, cultura popular e questões sociais, trazendo à tona uma verdade que muitos preferem ignorar. Seu olhar sensível e comprometido com a realidade do nosso povo merece ser lido, refletido e aplaudido.
Parabéns pela iniciativa e pela forma tão bonita de usar as palavras para provocar consciência e, ao mesmo tempo, esperança. Que venham muitos outros textos como esse!
Parabéns, Paulo!
ExcluirLi com muito orgulho e admiração seu artigo “Olha o Bacalhau…” e não poderia deixar de registrar aqui meu aplauso pela sua escrita inteligente, crítica e ao mesmo tempo leve, cheia de memória afetiva e reflexões profundas sobre os tempos atuais.
Você conseguiu, com maestria, misturar humor, cultura popular e questões sociais, trazendo à tona uma verdade que muitos preferem ignorar. Seu olhar sensível e comprometido com a realidade do nosso povo merece ser lido, refletido e aplaudido.
Parabéns pela iniciativa e pela forma tão bonita de usar as palavras para provocar consciência e, ao mesmo tempo, esperança. Que venham muitos outros textos como esse!
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Parabéns pela crônica, Paulo. Clara e pertinente em tempos de contante valorização de privilégios e esquecimento da pedagogia cristã, expressa também pelo dito do Cristo que pede misericórdia ao invés de suplício.
ResponderExcluirQuerido confrade poeta Peulo, que crônica verdadeira e necessária. Parabéns. Abraços V. Melo
ResponderExcluirÓtima narrativa Paulo, parabéns pelo texto!
ResponderExcluirBRAVÍSSIMO, QUERIDO PELO BELO TEXTO!!! E como disse bem "nossa afilhada de 1a Eucaristia"( só ela tem padrinhos de 1a eucaristia, em todo o planeta😂)ao ouvir a leitura do texto "olha o bacalhau": Esse é meu padrinho, tá querida? 👏🏼😊
ResponderExcluirGosto muito de sua fala...um misto de memórias afetivas, culturais...com mesclas de humor e crítica nos lugares certos ...sem deixar de lado observações necessárias e direcionadas à "cada envolvido" !!!
Minha fala éh: Você é Peixe Grande...no melhor sentido da palavra! Alguém que vê além das aparências...que olha todo o entorno...que consegue identificar com precisão ações simples como soluções...e por fim, usa as palavras na medida certa para compartilhar sua percepção.
Seja Bem Vindo ao seu LUGAR...e AVANTE🙏🏻Nosso beijo carinhoso💞Paloma diz que está com saudade do padim😊
Meu nome é Marinaldo Marques, nascido às margens no rio Pindaré, no município de mesmo nome, Pindaré Mirim. Parabenizo o Paulo Melo Souza pela bela crônica e gostaria de fazer um adendo como contribuição; o peixe espalmado que substitui o bacalhau nestas ocasiões é a "jabiraca" que é a traíra salgada, espalmada e seca ao sol.
ResponderExcluirUm forte abraço, Paulão!
Parabéns, Paulo, ótimo texto, para reflexão sobre escassez, carestia que assola a crise social e econômica . Nos faz lembrar os manjares que foram cortados da nossas mesas. Lembrando também a triste realidade do nosso povo que vive desprotegido , que vive em extrema pobreza. E este Ano , o prefeito não vai distribuir peixes na quinta feira. O pranto será Pilombeta, 2 limões 3 tomates um macincinho de chero verde, e 2 cebolas para temperar. Grande abraço.
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