ROSEANA MURRAY

o encantamento em pessoa e em poesia

 


Nascer é só o começo. Mas nascer para quê? Neruda dizia: para nascer, nasci, e essa mulher nasceu para mais. Para poetar, amar, cozinhar, criar filhos que tocam panelas e instrumentos, para receber com café e pão as crianças da vida e da leitura. Essa não é uma biografia qualquer: é uma receita viva de alguém que mistura a palavra com o afeto e serve isso de um jeito que faz a gente querer repetir o prato.

Filha de imigrantes que fugiram do horror, Roseana Murray chegou antes da hora, como quem tem pressa de transformar o mundo em poesia. Foi criança no Grajaú, mas é da montanha e do mato, dessas que escutam o silêncio melhor do que buzinas. Saiu de Mauá, mas voltou assim que pôde, porque certos lugares nos moldam tanto quanto a genética. E, como quem escreve com os pés na terra, ela planta versos que brotam em qualquer canto.

Tem dois filhos artistas, um cozinheiro de alma, outro músico de horizontes, e juntos eles transformam reuniões em festa. Dá pra sentir que nessa família, quando o arroz ferve, ferve também a alegria.

Cem livros. Cem! Isso nem é número, é constelação. E ainda tem quem pense que literatura é coisa de museu. Ela mostra o contrário: é coisa de quintal, de criança com farelo de pão na blusa ouvindo histórias com olhos de estrela.

E não, ela não acredita em idade. Nem eu. Porque gente que vive tanto não se mede em anos, mas em encontros, em cafés com palavras, em prêmios que vêm de muitos cantos dizendo: “a sua poesia me tocou”. Ela não escreve para caber em prateleira. Escreve para caber em gente. E gente, meu caro, é sempre um livro em aberto.

Em 2023, sofreu um ataque brutal de três cães pitbulls enquanto caminhava em Saquarema, na Região dos Lagos do Rio de Janeiro. O ataque resultou na amputação do braço direito e em outros ferimentos graves. Mas como quem nasceu para encantar, ela renasceu da dor com ainda mais força. Deu a volta por cima com a coragem dos poetas e continua ativa, firme com sua poesia, sua presença e sua paixão pela vida. Se é pra nascer, então que seja como ela, nascida para encantar.

Roseana Murray é a nossa entrevistada de hoje da Revel!

 

Bioque Mesito Murray, tu escreves para crianças com tanta leveza e verdade. Como é que consegues adentrar à inteligência dos pequenos ao escrever para eles?

Roseana Murray Talvez me lembre da criança que fui. Eu nunca acho que o público infantil não irá me entender.

 

BM Depois do ataque que tu sofreste, o que mudou na tua maneira de ver a vida?

RM Alguma coisa mudou. Ganhei outra vida. Isso é muito impactante.  No mesmo ano meu marido Juan Arias morreu. Mudei do mar para a montanha. É tudo diferente.

 

BM Tu achas que a dor colaborou ainda mais em tua obra?

RM Sou paciente de dor crônica desde 1993. Tudo entra na feitura do poema. Também a dor.

 

BM Como tu vês a literatura brasileira hoje, especialmente a poesia?

RM Não acompanho muito. Sei mais da geração antes da minha. Mas claro que temos excelentes poetas.

 

BM Tem algum poeta ou autor(a) contemporânea que tu admiras de perto?

RM Fiquei presa no passado. Lorca, Drummond, Gullar, Bandeira, Hilda Hilst e outros tantos brasileiros que amo tanto. Salgado Maranhão faz uma poesia imagética e forte. Há uma poeta, Lázara Papandrea, que faz uma poesia surpreendente.  Eu a descobri nas redes. Falando dos contemporâneos. Há um poeta israelense que já morreu "Yehuda Amichai" que vive tão perto de mim e li outro dia um poema maravilhoso do poeta palestino Mahmoud Darwish, também morto, ambos vivem perto de mim, pois me fazem estremecer. Mas não são brasileiros. Admiro de perto meus amigos e amigas poetas: Suzana Vargas, Penélope Martins, William Amorim.


BM Tu tens algum costume antes de escrever? Algum ritual cotidiano?

RM Não tenho rituais para escrever.

 

BM Conte-nos uma cena hilariante ou mesmo constrangedora que aconteceu em tua carreira literária.

RM Na década de 80 fiz um lançamento em Recife, dentro de um Supermercado. Os consumidores passavam pela minha mesinha cheia de livros e não me viam, pois não era para eu estar ali, estava deslocada. Achei estranho e engraçado.

 

BM Como tu te sentes quando vês teus poemas sendo lidos por crianças nas escolas?

RM As crianças e jovens amam os meus poemas.  É uma sensação maravilhosa.

 

BM Qual foi a maior lição que a vida te deu nos últimos tempos?

RM A vida me ensina paciência.

 

BM O que tu dirias para alguém que quer escrever, mas se acha incapaz?

RM Que leia muito. Se quer escrever, a escrita virá.

 

BM Ainda acreditas que a poesia pode mudar o mundo ou o mundo que mudou aos poucos a poesia?

RM Quando o poema se liberta da métrica e das rimas ele se torna livre e andarilho. A poesia pode mudar pessoas, pode ajudar a mudar o mundo.  A poesia é camaleoa, sendo assim, é tocada pelo mundo.

 

BM O que significa a morte para ti hoje?

RM Quando estava morrendo sobre as pedras da rua, a morte parecia um sono, um apagamento.  Fui salva. A Morte é o mais impressionante dos mistérios. Continua sendo.

 

 

 

Comentários

  1. Que entrevista , meu Deus ! Parabéns , Bioque ! Roseana é um escândalo de maravilhamento na vida e na literatura . Amo !

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  2. O ser humano da poeta Murray é algo extraordinário. Linda!!!

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  3. Roseana é maravilhosa e é um exemplo de serenidade, paciência, resiliência. Obrigado, poeta Bioque, por compartilhar esta entrevista.

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