UMA ENTREVISTA

 

Paulo Rodrigues – José Ewerton Neto, o Fernando Pessoa afirmou: “A literatura, como da arte, é uma confissão de que a vida não basta”. Você pensa a literatura da mesma forma que o Pessoa?

José Ewerton Neto – Não. Inclusive não sei porque as pessoas têm tanta admiração por essa frase que originou outra, de Ferreira Gullar, muito repetida. Ora, penso que a vida não basta para todo mundo já que ninguém quer morrer. Não basta para o artista, como também não basta para o médico, para qualquer camelô, para o mais humilde carroceiro e, nem por isso, todo mundo é artista. Acho que a literatura existe - ou a arte em geral - como expressão da necessidade que algumas pessoas têm de transmitir algo pensado e que lhe foi revelado como um dom, graças à sua capacidade imaginativa. Como todo trabalho na vida e todo exercício profissional alguns fazem isso com talento, a maioria não. Simples assim. Não acredito nessa interpretação de que alguém só porque escreveu uma poesia (que ninguém sabe ainda se é boa) ou tentou escrever uma história (idem) só por isso possa de antemão inferir que foi dotado de um destino especial, transcendente e distinto de todos os demais seres humanos que não são artistas.

 

Paulo Rodrigues – Você é um grande romancista, contista, cronista e também um poeta potente. Há proximidade entre a prosa e a poesia? Como observa essa questão?

José Ewerton Neto – O ‘grande’ fica por conta de sua delicadeza, mas, sem dúvida, diria que há muita proximidade e até que ambas sejam gêmeas, oriundas da mesma mãe, a Literatura. Acontece que, muitas vezes, alguns leigos ou até mesmo escritores incautos tendem a achar que se trata da mesma coisa ou que quem exerce uma, pode exercer a outra. Nem todo grande poeta ou grande escritor exerceu, a todas as luzes, como Edgar Allan Poe, Jorge Luis Borges e Machado de Assis incursões vitoriosas em ambos os gêneros. O poema que mais gosto em língua portuguesa é A Mosca Azul, de Machado de Assis, mas tem gente do mundo literário que nem sabe que Machado foi um grande poeta. Voltando à sua pergunta a principal distinção que vejo entre os dois gêneros está na sua execução e prática que, no caso da poesia, pode ser menor em tamanho (tornando-se, a princípio, mais breve). Assim não demanda, quase sempre, a mesma carga de dedicação, disciplina e tempo, o que faz com que a proliferação do exercício poético redunde, pela disseminação e fragmentação, em mais erros que acertos. Lembro uma frase de um grande violonista que dizia que o Violão era o instrumento mais fácil para se tocar mal e o mais difícil para se tocar bem. Julgo que o mesmo se pode dizer da poesia e a grande profusão de poetas na Internet comprova isso. Há muita quantidade, qualidade nem tanto, infelizmente. (Embora eu considere salutar essa proliferação e fragmentação, sempre preferível à falta de adesão ou à indiferença) .

 

Paulo Rodrigues – Ewerton, o romance O prazer de matar foi premiado no Concurso Cidade de São Luís e publicado pelo SIOGE. Fale um pouco sobre ele.

José Ewerton Neto – Este romance marcou minha estreia na cena literária maranhense numa época em que minhas obrigações profissionais como engenheiro metalurgista, trabalhando na Alumar, mal me davam tempo de escrever crônicas publicadas nos jornais. Acontece que, por essa época, tive de fazer uma cirurgia e aproveitei a convalescença para colocar nas páginas uma ideia que tivera: de um personagem inusitado, matador simplório e, ao mesmo tempo trágico, que se oferecia para matar suicidas por falta de outra opção para sobreviver. Por sugestão do saudoso amigo e escritor Jomar Moraes enviei os originais para José Louzeiro, que, para surpresa minha, recomendou o livro com palavras que vieram a compor a contracapa da primeira edição premiada. Isso me estimulou a que dois anos depois tirasse férias de 20 dias para poder escrever outro romance com uma nova ideia e nascia assim A Ânsia do prazer, também laureada. O curioso é que entre a primeira edição do romance, em São Luís, até uma terceira edição nacional pela editora Arte Pau Brasil, SP, com o título O oficio de matar suicidas, aconteceram dois casos, na vida real, semelhantes aos relatados no livro, o que comprova o dito de Oscar Wilde de que a vida é que imita a ficção, muito mais que o vice-versa.

 

Paulo Rodrigues – Na poesia, o livro Cidade Aritmética obteve, em 1995, o prêmio Sousândrade, no Concurso Literário e Artístico Cidade de São Luís. Fale um pouco sobre a experiência com a poesia.

José Ewerton Neto – Eu já havia tido uma experiência anterior no gênero com o livro Estátua da Noite, de poemas, este sim, o meu primeiro livro, editado pelo SIOGE e cuja orelha foi feita por Erasmo Dias, de quem me tornara amigo. Nessa época eu já morava no Rio de Janeiro, trabalhava na Cia. Siderúrgica Nacional e as demandas profissionais me afastavam das atividades literárias. Não fiz lançamento, nem sabia direito como era isso rsrs e o sonho da literatura parecia longínquo. Somente quando retornei a São Luís e escrevi O Prazer de matar e o livro teve excelente repercussão da crítica maranhense voltei a pensar em publicar os poemas que eu produzira anos atrás e dos quais Erasmo Dias apreciara até mais que os de Estátua da Noite. Da composição originou-se esse livro de poemas com construções formatadas como uma Engenharia na segunda parte e com alusões à Matemática na primeira. Tenho a pretensão de acreditar que esse é um dos poucos livros de poesia, escritos no Brasil, somente com temas matemáticos.

 

Paulo Rodrigues – Ewerton, quando você se tornou um leitor de literatura? Qual é o lugar dos livros na sua vida?

José Ewerton Neto – Comecei a gostar de ler desde criança primeiro através de revistas em quadrinhos, inclusive fotonovelas, até romances que comecei a gostar quando deparei, por acaso, nas prateleiras da estante da minha saudosa tia professora Rosa Ewerton com o livro A Marca do Zorro de Jonhston Mc Culley (um deslumbramento!). Posso dizer que a leitura foi uma das maiores dádivas recebidas durante a minha vida e pela qual serei eternamente agradecido a Deus. A leitura, com todas as possibilidades que traz é uma felicidade! e, confesso, não entendo que nas Escolas se obrigue um estudante ainda em formação à leitura obrigatória de livros antes de lhe dar condições, primeiro, de ler aquilo que lhe traga prazer. Claro que um mestre tem por obrigação sugerir a leitura de determinados livros, mas sugerir é uma coisa, obrigar outra e a leitura só se tornará a felicidade (que tive e tenho) se vier junto ao “prazer” de estar lendo o livro que se tem nas mãos.

 

Paulo Rodrigues – Como você enxerga o romance contemporâneo brasileiro e maranhense?

José Ewerton Neto – O romance maranhense praticado em São Luis, não tem a mesma vitalidade da produção poética. As condições de subsistência, como se sabe, são precárias para um escritor local que pretenda extrair seu ganha-pão da prática de narrativas longas já que estas demandam muito mais tempo e dedicação. Essa pode ser uma das explicações para isso. Bons romancistas maranhenses de envergadura nacional são Ronaldo Costa Fernandes e José Sarney e ambos não residem aqui. Nosso país tem ótimos autores mas sinto que o romancista brasileiro, diante da concorrência internacional (que é muito boa, até porque os livros que vêm de fora traduzidos, já foram referenciados) permanece no dilema entre agradar o público ou a crítica, e acaba muitas vezes não se estabelecendo em nenhuma dessas vertentes. Dos romances brasileiros muito comentados recentemente Li Torto Arado que não me agradou. Ganhei de presente e pensei que não fosse gostar de Bambino a Roma, de Chico Buarque ( por causa da leitura que fizera de seus primeiros romances) mas esse livro me surpreendeu agradavelmente.

 

Paulo Rodrigues – Fale para os leitores sobre o livro A Última Viagem de Gonçalves Dias e Outros Contos. É um livro de ficção? Ou é mais um trabalho de pesquisa?

José Ewerton Neto - Admiro os pesquisadores, mas além de não saber praticar acho extenuante o trabalho de pesquisa. O surgimento da ideia, apareceu justamente em uma conversa com o escritor e pesquisador Agenor Gomes (que fez um trabalho marcante no gênero sobre a vida de Maria Firmina dos Reis). Eu sugeri a ele: “Agenor, já que a última viagem do poeta dá margem a tantas contradições e mistérios, sendo , portanto, um tema fascinante, você faz um trabalho de pesquisa sobre a mesma e eu fico com a ficção, que é a parte mais fácil.” Rs Rs. Enfim, como tenho dito nas entrevistas, A última viagem de Gonçalves Dias tenta suprir as lacunas de uma viagem nunca suficientemente esclarecida, com forte dose de conteúdo poético, como forma, também, de homenagear esse escritor tão querido de todos nós.

 

Paulo Rodrigues – Quais são os novos projetos literários do José Ewerton Neto?

José Ewerton Neto – Você acredita, o livro vencedor do último prêmio Odylo Costa, filho, do Concurso Literário e Artístico Cidade de São Luís, (tão tradicional e tão desprezado, pelas autoridades) foi um título deste autor chamado O que dizem os olhos. Ficaria muito grato se alguma instituição, empresa, secretaria, ou universidade, se dispusesse a publicá-lo até mesmo como forma de servir de recado às autoridades, pois, embora o regulamento contemplasse a publicação do livro, esta não foi realizada, o que constitui uma grosseira transgressão da Lei que impõe o Concurso, criado com o propósito de estimular a produção cultural maranhense. Independentemente disso, sempre tenho títulos prontos em diversos gêneros (na crônica até por obrigação) pois sou colaborador assíduo do site do Imirante, para onde migrou o jornal O estado do Maranhão.

 

Paulo Rodrigues - Deixe uma mensagem para os nossos leitores.

José Ewerton Neto – Escrevam. Como disse José Saramago, para escrever um romance é muito simples: “Comece com uma letra maiúscula e no final você coloca um ponto. E, no meio, você põe a ideia”

Porém, antes disso, há algo que considero fundamental: Leiam, leiam muito, leiam bastante, não parem de ler. Jamais.

 


José Ewerton Neto é poeta, escritor, membro

da Academia Maranhense de Letras

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