ENGAJAMENTO E LIRISMO

na poesia de Wanda Cunha e de Linda Barros

 

A literatura é o lugar em que o “eu” se encontra, se confronta, afronta, incomoda, se incomoda, diz, sente, se revela mesmo sem se revelar. Ao ler a poesia destas duas relevantes escritoras maranhenses, Wanda Cunha e Linda Barros, um turbilhão de sentimentos tomou conta de mim – e os poemas me perpassaram em diversos campos – filosófico, psicológico, social, político, religioso, emotivo, principalmente.

Nas linhas dos poemas de Wanda, eu ouço a voz da experiência, muita experiência, uma mulher que tem muito a dizer. A poesia de Wanda coloca o “dedo nas feridas”, é uma poesia/soco e com voz imperativa, ela alerta quem a ler, como no caso do poema do SER ASSIM:


Você precisa conhecer a solidão/ Que tanto você precisa ser./ Você precisa conhecer a solidão/ Pra se acostumar consigo mesmo/E com os outros” [...] “Você precisa conhecer a solidão/ela é a única amiga/de quem tem muitos amigos/ela é a consciência”.

Esse poema traz um caráter filosófico para dizer que no fim de tudo somos sós e lembra a filosofia de Nietzche quando nos mostra que uma das características do espírito livre é a solidão, que se deve amar a própria companhia, em vez de temê-la e ele assevera “quando se está consigo mesmo, sente-se em casa, onde quer que esteja”.

Wanda traz também questões políticas e sociais, uma poesia engajada, a serviço do outrem, que nos faz parar e refletir sobre variadas questões.  O poema Falta d’água, por exemplo, vemos a luta da mulher pela sobrevivência, uma imagem corriqueira no Nordeste, a mulher com a lata d´água na cabeça, o sofrimento, desespero e uma mulher cheia de esperança –


E, na rua, as latas d’água nas cabeças/ Retratam as marias, subindo o morro do desespero,/Construindo cacimbas de esperanças/ Em suas almas que a água não lava...

Em Garota de rua, Wanda nos faz refletir sobre outra realidade da mulher, o feminicídio, abuso sexual e o pior de tudo, a impunidade


A garota foi comida crua/ Ela vivia na rua/ Atrás de comida/ Pra matar a fome/ [...] Não importa o homem/ Que roubou sem hímen/ Que a garota está frita/ E é babugem de tantos.

Em fecundação, Wanda compara o gerar e o nascer a dois mundos, retratando a angústia de uma mãe que quer sempre proteger o filho (no útero/ casinha) e que precisa deixá-lo nascer para conhecer o outro mundo nem tanto acolhedor (o regime do país) –

 

Nove meses de espera/ dentro de um regime maternático/ Agora, numa dilatação de angústia,/ estou morrendo de dor/ meu filho vai conhecer o regime do país.

No poema “Epitáfio”, Wanda nos traz um grande alento, ao nos fazer pensar que podemos ser como o vento, o silêncio, a maré e que um velório não há que ser triste, se se passou a vida cantando.  A morte pode chatear-se, a poeta jamais –


A morte vai ficar chateada/ Porque não haverá carpideiras/ nem lágrimas no meu velório. / [...] Ninguém precisará ficar triste/ [...] Quando eu morrer, quero música.

Wanda lança mão de inumeráveis recursos poéticos para tornar a sua poesia mais enfática, firme, contundente. Entre aliterações, assonâncias, metáforas, utilização de formas fixas como o soneto, paráfrases, paródias, ela nos assombra, nos choca, nos emociona, porque a poesia é espanto e é encantamento.

Linda Barros, por sua vez, deixa-me suspirar! Linda é leveza, suavidade. Ela fala de angústia, sonho, esperança, amor, dor, mas deve ser direto do Olimpo, inspirada por Érato ou será ela mesma a própria deusa?

 Ao ler Linda, parece que ouço sua própria voz que acalanta o coração, que traz paz para a alma. Ela utiliza uma linguagem que nos perpassa e nos faz pensar sobre nós mesmas, fazendo uma viagem para dentro de nós. É a emotividade que fala na poesia de Linda Barros.

No poema Nasce o dia, Linda, através da rotação da Terra, mostra que a angústia é uma constante da vida – “Vai-se o dia/ Vai-se o sol/ Mas não apaga/ Angústia vazia “. E ainda reiterando a temática, utilizando-se de recursos expressivos, em “Insônia”, ela diz: “O tempo vai/ passando/ len ta men te/ a Vida/ se vai/ len ta men te/ e de repente.../ a solidão.”

E o lirismo toma conta da poesia de Linda e nos inebria, nos faz sonhar -  ““Sobrevoar é ver de longe/onde posso chegar”; nos faz sentir saudade: “O único som que ouço/ é de um beijo que não lhe dei”; nos faz pensar sobre a efemeridade da vida, como no poema dedicado a Carvalho Jr –  “E, então, sem mais nem menos,/  como uma flor murcha no outono/ ele se foi/  sem dizer adeus”

E com toda esta emotividade, o amor não poderia deixar de ser cantado em sua poesia e assim vemos nos poemas Esperança e Amor – “Das cartas de amor que/ escrevi/ a você/ Mesmo sendo palavras/ vazias/ Ainda que no seu incômodo/ silêncio/ Encheram minha alma perdida”  e em - “Um amor puro/ Um amor doce/ Um amor duro/ Um amor que floresce/ Um amor que adormece/ E some,/ Sem nada dizer”.

Laura Neres é, sem dúvida, um grande amor para Linda, então sua poesia não poderia deixar de homenagear a filha. O poema Tu, mulher retrata com veemência esse amor –


Da delicadeza do seu olhar/ Saem as dores da alma/ Na leveza do seu andar/ carregam suas angústias/ No desenho do seu corpo/ Passeiam seus desejos/ No seu enigmático sorriso/ transbordam seus anseios/ Na maciez de sua pele/ Exalam seu perfume/ E nos seus ondulados cabelos, escondem todos os seus mistérios

Ainda, no poema O parto, através da metalinguagem, Linda compara o ato de escrever ao ato de parir, dois atos dolorosos, mas produtivos – “Palavras são arrancadas/ do meu ventre/ dadas ao vento/ com emoção e/ desalento

Sendo deusa, não poderia faltar em sua poesia a referência a um mito grego, Narciso, para nos fazer lembrar que não podemos nos deixar dominar pela vaidade – “Sobre os reflexos nas águas/ Não posso ignorar o que vejo/ Mesmo que seja/ Apenas a sombra/ Do meu ser/ Espalhada na lâmina do rio”

E como afirma o professor José Neres - “a poeta tem uma obra voltada para os sentimentos do ser humano com relação ao mundo”.

Por fim, posso dizer que mergulhar na poética dessas mulheres, causou um “reboliço” em mim e me fez apurar mais o olhar para a produção literária de mulheres que não deixa nada a desejar em relação à produção literária de homens. A verdade é que cada poeta tem seu lugar de fala e na literatura há lugar para todas as pessoas.

Anna Liz Ribeiro é poeta, escritora, Presidente/Coordenadora

da AJEB–MA e Mestre em Língua Portuguesa 

Comentários

  1. Obrigada, Anna Liz, pela anáise tão bem construída sobre as obras poéticas de Linda Barros e Wanda Cunha. Sinto-me duas vezes grata: a primeira por minha poesia ser objeto de teus estudos teóricos de literatura; a segunda, por poder contracenar, neste espaço, com a bela poesia de Linda Barros. WANDA CUNHA

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  2. Muito bom o compartilhamento das nossas produções femininas. Parabéns pra Anna pela sensibilidade e estudo da poesia de duas autoras que muito nos honram com as suas escritas. Viva as mulheres!

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