O MENINO QUE SONHAVA

 O escritor Gilmar Pereira Santos nos brinda novamente com mais uma de suas bem lavradas invenções literárias, a exemplo, de obras antecessoras, como "Nas terras de Bom-que-dói" (selecionado e publicado pelo Programa Cultura da Gente-BNB), "A Ilha Encantada" (Prêmio Bandeira Tribuzi - FUNC-São Luís) "Os Vagalumes coloridos na noite de Natal" (Antologia Literária do Nordeste-BNB), "Mistérios e Encantos da Fantástica Ilha Flutuante (Romance-documento, 1990) e "Amores Contrariados", dentre outros.

Por que ler Gilmar? Parodiando Celso Gutfreind em sua apresentação de Jonathan Swift (autor de As viagens de Gulliver) na coleção "Guia de Leitura 100 autores que você precisa ler" organizada e editada por Lea Masina (L & PM Pocket, Porto Alegre, 2007), diríamos que há necessidade de ler com atenção redobrada "O Menino que sonhava" (com chamativas ilustrações de Hannah Garcês - onde se destaca com a fluidez de um autêntico criador de estórias (ou quem sabe histórias?) interessantes e pitorescas de sua terra natal - Penalva (MA) e desta abençoada Baixada Maranhense também decantada nos versos musicais do falecido Cabeh que tivemos a chance de ouvir ao vivo no Clube Militar da Litorânea.

Se George Orwell alcança a primazia em seu "Revolução dos Bichos", satirizando os descaminhos do movimento de libertação dos operários russos, comparando-a ao "arremedo grotesco da sociedade humana", Gilmar se aproxima de Swift com as narrações que "junta a um só tempo adultos e crianças" nos capítulos "As Aventuras do pequeno roedor", "A Lenda do cavalo morto", "O Cão e seu melhor amigo". "As Aventuras das crianças", "A Prima que nunca chegou", "As Pipas de Roberto", "As Arapucas de Juvêncio", "O Menino que sonhava" (que dá nome à obra) e o comovente "A Morte dos gêmeos" cuja recomendação é que sejam lidos de um só fôlego.

Se o maior prêmio de um escritor é ser lido pelos seus patrícios, a presente obra do autor é de leveza e delicadeza no tratamento de contos infantis que nos fazem descer à infância, atraem crianças e adolescentes ao cenário imaginário do que existe de mais fiel nas mais espontâneas e escondidas aventuras e travessuras do mundo maravilhoso apreciado por leitores de todas as idades.

Não sobram dúvidas de que Gilmar se inscreve com esta obra na galeria das bibliotecas de admirados autores brasileiros que trabalham os temas infantis na arte das letras, como Monteiro Lobato, Maria Clara Machado e Nascimento Morais Filho (Azulejos).

Quem de nós já não passou por situações tão bem escritas por Gilmar neste livro, em lembrar a infância ("tempos que não voltam mais" - Casemiro de Abreu) que são revividos no amor aos animais, às árvores, aos rios e à vida, enfim, à natureza, sinal superior de todas as liberdades humanas. Quem não teve uma "arapuca" só sua para apanhar pássaros como Juvêncio; Eu, pelo menos, no povoado de Genipaúba, no município de Guimarães, tive essa experiência fantástica relatada por Gilmar. Um mundo raro de beleza e extrema capacidade criadora, produzida a partir de acontecimentos simples, mas bastante curiosos e empolgantes. Creio que Gilmar chega com

"O menino que sonhava" à fase mais arrebatadora e madura de sua criação na literatura infantil. Com a perspicácia encontrada em Swift e nos irmãos Grimm (Jacob, Wilhelm e Hans, alemães), superando os preconceitos de proximidade com os humildes (... O seu pai, como a maioria dos moradores daquele povoado, era pescador e lavrador), as comunidades rurais sofridas, mas possuidoras de dotes de grandes talentos e fibra de sobrevivência que tanto conhece e abraça pessoalmente em Jacaré (Penalva, MA), seu lugar-berço. Não podíamos esperar mais do que o melhor da imaginação infantil nestes contos de Gilmar. Eles servem de deleite para os que gostam da boa e saudável invenção dos tipos revelados pela capacidade criadora do autor desta estimuladora obra literária, com acontecimentos e enredos imprevisíveis e fustigantes. Como nos confessou candidamente o autor "A ficção e a realidade se misturam nos sonhos, desejos e nas brincadeiras infantis. A amizade entre as crianças e os animais, é outro ponto importante do livro. Nas diversas brincadeiras, os personagens infantis buscam o sentido pela vida. Sonham na esperança de viver num mundo de fantasia e aventura". A essas observações inteiramente procedentes, podem ser acrescidas às características impregnadas da descrição das paisagens de lagos, de rios, das ilhas de água doce, bem como as festas, as manifestações folclóricas e populares daquelas paragens na região maranhense dos lagos, que abrange os municípios de Cajari, Viana, Penalva, Conceição do Lago Açu e Matinha.

De outro ângulo, em "A Lenda do cavalo morto", Gilmar consegue com maestria colocar o comportamento emocional da amizade do menino João, com o cavalo Trovão Negro, traçando o perfil psicológico raro no encontro de um ser racional com um irracional, que transcende a própria morte física e avança para o espiritual.

As peripécias narradas no conto "O cão e seu melhor amigo" onde a inflexão de toda uma amizade entre o garoto e o cão fiel que o salva em perigosas aventuras por ambos vivenciadas, alcança clímax extasiante. E, em "As Aventuras das crianças" Gilmar explora o natural e o sobrenatural com efeito pirotécnico, onde é difícil separar uma coisa da outra, numa formidável simbiose de criação artístico-literária, com resultados surpreendentes do ponto de vista criativo e ficcional. Não menos surpreendente é: "A Prima que nunca chegou", cujo mistério e a dúvida da chegada paralelamente à descoberta de uma caverna, cavar um poço tornam intrigantes a descoberta e a persistência da espera da parenta. "As Pipas de Roberto" é uma narrativa cheia de encantos e beleza quase cinematográfica que parece até com "A Volta ao mundo em 80 dias" e o que mais torna cativante é o trecho final quando o autor escreve "... Na imensidão do céu, os meninos viajavam para mundos nunca vistos numa velocidade espantosa".

Visitaram países inimaginados e paisagens deslumbrantes. Conheceram pessoas dos países mais distantes, puderam ver animais selvagens como os leões, elefantes, girafas e dromedários que vivem no continente africano. Visitaram as geleiras do Ártico e ficaram fascinadas pelos leões marinhos, focas e com centenas de aves, como o flamingo e os pinguins. Visitaram a Muralha da China, a Cordilheira dos Andes, a neve nos Alpes Suíços e o deserto do Saara; visitaram as reservas indígenas dos Estados Unidos e os países árabes. Ficaram encantadas com as pirâmides do Egito e com os monumentos históricos; visitaram a Mata Atlântica, pantanal mato-grossense, a floresta amazônica, as Cataratas da Foz do Iguaçu, os Lençóis Maranhenses, a cidade histórica de Alcântara, os prédios antigos de São Luís, as cachoeiras de Carolina, as ilhas flutuantes no lago Formoso, os campos verdes e alagados da baixada maranhense. A viagem parecia não ter fim e aquelas crianças eram as mais felizes do mundo, pois tudo não fora mais que um sonho interminável... "O menino que sonhava" vai em uma rota de grande criatividade do tema ao apontar a estória de meninos que não podiam acordar, sob pena de perder o encanto e se tornarem adultos. Finalmente, como o já comentado "As Arapucas do Juvêncio", que fabrica uma arapuca gigante e se transforma em uma árvore de natal. Depois se desilude com suas criações, pondo fogo em todas elas. Isso significava que todos os cativos devem ser libertados e rompidas as grades das cadeias. É nesse simbolismo que encerra, magistralmente com "A morte dos gêmeos" cuja parte se assemelha a uma elegia a todas as crianças que não tiveram a oportunidade de nascer em um lugar cuja maldição só termina ". ...quando uma das famílias tiverem gêmeos parecidos com os que morreram misteriosamente".

".... Ao estilo Edgar Alan Poe, Gilmar Pereira Santos consegue dar à sua obra uma fenomenal atmosfera de realidade, e ao mesmo tempo, de mistérios, descobertas, críticas veladas e dúvidas, não se esquecendo de pontilhar a escuridão em que vivem seus concidadãos (...Como não havia energia elétrica no povoado, usou gás natural (lampião) para iluminar a árvore no período noturno) de onde retirou as lendas das estórias que conta com vigor e o carinho de um escritor com larga visão do destino da literatura regional e universal. É um livro para ser lido e relido sempre, pois, carrega a missão de escritor cumprida a contento dos mais exigentes gostos.

 


Josemar Pinheiro é jornalista, advogado e ex-professor

da UFMA dos cursos de Comunicação Social e Direito

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