O MÊS MAIS BONITO
Diz Aluísio Azevedo,
em O Mulato, que junho é o mês mais bonito de São Luís. Concordo ao pensar no
alvoroço dos arraiais, no som dos tambores que se ouve ao longe,
reproduzindo-se como cantos de galos em gigantescos e longínquos quintais,
anunciando as brincadeiras de bumba-meu-boi em toda a Ilha. Nesses dias, paira
um frisson contagiante entre os jovens e entre os mais velhos que conservam na
memória dos corpos os meneios das danças e as batidas dos pandeirões e das
matracas. Ao chamado das toadas, reúnem forças esquecidas e mergulham o corpo e
a alma nas brincadeiras.
Mas a beleza de
junho referida por Aluísio não é a da festa popular, e sim a do clima, diz ele:
“Aparecem os primeiros ventos gerais, doidamente, que nem um bando solto de
demônios travessos e brincalhões que vão em troça percorrer a cidade,
assoviando a quem passa, atirando ao ar o chapéu dos transeuntes, virando-lhes
do avesso os guarda-sóis abertos, levantando as saias das mulheres e
mostrando-lhes brejeiramente as pernas. Manhãs alegres! O céu varre-se nesse
dia como para uma festa, fica limpo, todo azul, sem uma nuvem. A natureza
prepara-se, enfeita-se; as árvores penteiam-se, os ventos gerais catam-lhe as
folhas secas e sacodem-lhe a frondosa cabeleira verdejante...”.
O trecho é ufanista,
eufórico, contrastante com o olhar pesado de crítica e ironia com que o jovem
Aluísio vê sua terra natal (não tão diverso do de Eça de Queirós quanto à sua
Lisboa). Não esqueçamos que Aluísio seguia fielmente a estética do naturalismo,
avessa a “patrioteiras” e bairrismos. O tom negativo do romance deve-se,
também, às rusgas e arranca-rabos em que o autor se meteu com os clérigos e representantes
da sociedade local.
É nesse descrever o
clima da Ilha que Aluísio me confunde. Desde muito, ouço falar: abril, chuvas
mil; maio, chuva e raio; junho, chuva em punho. E as chuvas, o tempo carregado
de nuvens, pouco vento e muito calor, estão aí para desmentir o autor de O Mulato.
Junho, em São Luís, ainda é mês de chuva e calor.
Lembro-me de
domingos desiludidos, em plenas férias de julho, com chuvas, ainda que fracas e
esparsas, quando meu pai declarava que não iríamos à praia: o tempo não estava
bom. Esse veredito assemelhava-se a um anúncio do fim do mundo.
Agosto sim, e aí vou
discordar de Aluísio, é o mês mais bonito. É o mês das serenatas, dos ventos,
dos redemoinhos, da temperatura amena, dos luares enormes, marés altas e pores
do sol inigualáveis.
Em dias mais calmos
vividos em nossa cidade, era possível chegar do trabalho, pegar os filhos em
casa, atravessar a única ponte e, em minutos, já na Ponta d’Areia semideserta,
estacionar onde se encontra, hoje, o Iate Clube, assistir de camarote ao pôr do
sol e esperar para ver as luzes da cidade acenderem-se. Crivada de luzinhas, a São Luís colonial das
casas construídas em diferentes planos de terreno que se superpõem, vista à
distância, assemelha-se a um presépio. No alto, na ponta que, altaneira mira o
mar, destaca-se a alva imponência do Palácio dos Leões. Um deleite para o
olhar!
Ver as luzes da cidade se acenderem! Parece coisa de matuto. Até pode ser, mas de uma matuta com desejos de incentivar nos filhos pequenos a apreensão do belo. Não fui agraciada com algum filho artista, vai ver que o meu DNA não ajudou, mas espero que as luzinhas mágicas desses momentos, meia volta ainda se acendam lá dentro deles.
Fica a dúvida: junho já foi mesmo agosto em São Luís? Segundo Aluísio, sim. Em 1881, pelo menos. Com as aceleradas mudanças climáticas daqui a quantos anos, que mês será agosto, por aqui?
Ceres Costa Fernandes é escritora,
cronista e membro da AML e ALL
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